São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Criminosos comuns versus policiais criminosos

ANTONIO JURANDIR PINOTI

São Paulo e Rio de Janeiro estão entregues a uma bilateral delinquência -a dos criminosos comuns e a dos policiais criminosos. De permeio, dezenas de inocentes são brutalmente sacrificados.
A Folha de 16 de março de 95 noticiou que a Polícia Militar paulistana admitiu ter matado 136 civis nos dois primeiros meses do ano. Imagens da "Rede Globo de 4 de março de 95 mostram um assaltante rendido ser covardemente executado a tiros por um policial no Rio de Janeiro. No dia 8 de fevereiro de 95, a polícia carioca matou 14 pessoas na favela Nova Brasília. Segundo editorial da Folha de 10 de fevereiro, favelados testemunharam que os supostos traficantes haviam sido executados. As palavras dessas pessoas devem ser levadas a sério, mesmo porque dois cadáveres tinham suas mãos amarradas e os corpos foram retirados do local antes que se fizesse uma perícia.
A mesma polícia, no dia 9 de maio de 95, entrou atirando em um casebre de uma favela no Rio de Janeiro e matou uma amedrontada criança de 10 anos de idade que se escondia debaixo da cama.
É compreensível o pavor da população diante da criminalidade. Porém, esse clima angustiante estimula a matança oficial, a intensificação da irresponsável repressão como antídoto ao recrudescimento do crime.
Assim, a política de extermínio que toma conta das nossas polícias, além de covarde e cruel com inocentes, nivela por baixo bandidos e policiais, tornando-os delinquentes comuns.
Embora falsa a idéia, aceitemos que a mortandade praticada por policiais seja apta a diminuir o problema da criminalidade. Quantas centenas de pessoas terão de ser executadas? Ademais, para cada "bandido morto existem dezenas de candidatos a substituí-lo. A morte de uns não inibe os outros. O resultado disso tudo é sempre o mesmo: o aumento da violência.
A segurança pública, dever do Estado, é exercida dentre outros órgãos pelas polícias militares (art. 144, V, CF). Ora, à luz das considerações acima, forçoso é reconhecer que o Estado está falhando, para dizer o mínimo, em seu dever. A violência uniformizada, além de covarde e odiosa, ao contrário de manter a segurança, causa a total insegurança.
Um dos policiais envolvidos no massacre do Carandiru, no qual 111 presos foram massacrados dentro da Casa de Detenção de São Paulo, foi nomeado comandante do Regimento de Cavalaria 9 de Julho. O atual secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, que pertenceu ao DOI-Codi e teve participação ativa no atentado ao Riocentro (Folha, 21 de maio de 95, pág. 1-2), entende que a polícia deve atirar primeiro em confronto com criminosos e que não deve socorrer os feridos. Tristes verdades essas!
A violência oficial não é fortuita. Ela é consequência da política de extermínio estimulada por algumas autoridades, com apoio em setores fascistas da opinião pública. A propósito, afirmou Janio de Freitas que ``nenhum poder é maior do que o poder de vida e morte". Este é, no entanto, o poder agora posto explicitamente nas mãos dos policiais do Rio por Marcello Alencar, com apoio também explícito do ministro do Exército, de meios de comunicação cariocas e até de um alto prelado, além dos menos notórios (Folha, 14 de maio de 95, pág. 1-7). Antes que seja tarde, a barbárie deve ser extinta. A solução é a erradicação da miséria, que é um dos esquecidos objetivos fundamentais da República, conforme preconiza o art. 3º da Constituição Federal. Não se concebe, também, a ausência de investimentos pesados na educação e saúde públicas.
Por último, é injustificável que policiais acusados de crimes praticados na atividade de policiamento sejam julgados pela Justiça Militar, que deveria tão-só julgar os chamados crimes de quartel.

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