São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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A arte sob efeito do Prozac

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Toda a obra de arte é fruto de algum tipo de instabilidade mental. Para investigar a validade dessa afirmação, o psiquiatra inglês Oliver James realizou um documentário exibido no último mês de maio pela BBC 2.
Por meio do monitoramento de membros da comunidade artística inglesa, James procurou descobrir, através do que ele mesmo chama de ``uma experiência informal", como um novo e aclamado tranquilizante, o Prozac, pode afetar um grupo de pessoas que a sociedade, historicamente, entende como propensas ao desajuste, à depressão e à melancolia.
No documentário, nomes da cena cultural do Reino Unido, como o guitarrista e líder do grupo New Order, Bernard Summer, ou a escritora Alice Thomas Ellis, aparecem em depoimentos sobre as propriedades do antidepressivo.
O trabalho de James chega à mídia inglesa quando, após assaltar a sociedade americana, o Prozac começa a ser consumido largamente no Reino Unido.
Até um ano atrás, o número de consumidores do tranquilizante na Inglaterra era ínfimo. Hoje os usuários já estão perto de 500 mil. Em todo o mundo, o número chega a 11 milhões de pessoas. No Brasil, não há qualquer estatística a respeito.
A Inglaterra, disse Oliver James à Folha por telefone, parece estar agora interessada em Prozac.

Folha - Como o sr. chegou até as pessoas que fazem parte de seu documentário?
Oliver James- Simplesmente contatei artistas de diferentes tipos de arte, que eu sabia que estavam tomando o Prozac, e os consultei se poderiam fazer parte do grupo que formaria o projeto.
Folha - Seu trabalho, grosso modo, tenta estabelecer se existe uma necessidade de sofrimento para que uma obra de arte possa ser realizada.
James - Minha pesquisa pode ser entendida assim.
Folha - Quais foram suas conclusões?
James - Bem, nem todos artistas têm a necessidade de sofrer. Alguns criam no que poderia ser chamado de ``alegria". Mas parece existir a idéia de que ao menos o grande artista sofre por sua arte.
No futuro, eu acredito, grande parte dos reconhecidos ``grandes artistas" estarão tomando algum tipo de antidepressivo. Pela simples necessidade de estar ``mais feliz". A questão é como estarão trabalhando nesse novo estado de felicidade química.
Folha - E por que escolher Prozac e não outro remédio, já que seu interesse é sobre os antidepressivos em geral?
James - Você sabe que hoje o Prozac é um antidepressivo extremamente popular. Mas não se sabe, ainda, como qualificá-lo. No início parecia haver uma visão negativa sobre a droga e depois, quando houve um boom da automedicação, a situação se inverteu.
Folha - Algumas pesquisas demonstram diferenças de comportamento entre homens e mulheres que tomam Prozac. Algo foi notado em sua pesquisa?
James - Não, não realmente.
Folha - Foram notadas diferenças entre atores, escritores e músicos?
James - Penso que, comparativamente, os escritores são pessoas com tendências mais depressivas. As pessoas envolvidas em artes de ``performance", como os ``pop stars", têm o prazer de se exibir e possuem a vantagem da aproximação com o público. Escritores têm uma tendência à depressão, pelo caráter reservado de seu trabalho. Uma tendência melancólica, na maneira que se relacionam com o mundo e que vêem as pessoas.
Folha -No início da onda provocada pelo Prozac na mídia, se dizia nos EUA, em tom jocoso, que a Inglaterra não necessitaria do remédio, pois os ingleses apreciam o estado melancólico. Mas o número de consumidores aumentou muito em seu país.
James - Sim, sem que ninguém notasse, isso aconteceu. Talvez porque as pessoas se tornaram mais honestas em relação a seus próprios problemas.
Folha -E por que essa mudança ocorreu no país?
James - Devido ao próprio desenvolvimento da terapia na Inglaterra, que tomou contato com a droga, e a repercussão que o Prozac teve na mídia mundial.
Folha -Para algumas pessoas, um medicamento como o Prozac significa o fim da terapia. Ao menos como nós a conhecemos.
James - Sim e não. Acho que isso não aconteceria, porque centenas de pessoas tomam o medicamento e ele não funciona. Na verdade, acaba causando problemas para aqueles que o consomem.
Mas penso também que pode ser verdade, porque em 20 anos os antidepressivos poderão ser tomados livremente e, talvez, a terapia não resista a isso. As pessoas vão preferir uma pílula a um tratamento longo.

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