São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Criador da indexação quer agora o seu fim

FERNANDO GODINHO
COORDENADOR DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um dos criadores da indexação na economia brasileira, o deputado Roberto Campos (PPR-RJ), 78, defende agora sua extinção.
Ele ressalta, no entanto, que enquanto existir inflação sempre haverá indexação, mesmo que seja informal.
No Brasil, diz Roberto Campos, a indexação será ``desoficializada" nessa segunda fase do Plano Real. ``As partes vão acabar escolhendo índices específicos. Que haverá indexação, haverá."
Ministro-extraordinário do Planejamento no governo Castello Branco (1964 a 1967), ele e Otávio Bulhões -titular do Ministério da Fazenda- instituíram a correção monetária em 64 por intermédio de lei, com a criação das ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional).
Depois, ela foi estendida para a correção de balanços das empresas e para o mercado financeiro.
Em entrevista à Folha, Campos afirma que a correção monetária foi ``pervertida" a partir de 1980 e se tornou ``um monstro de operação instantânea".
Para ele, a correção monetária foi criada como um ``um instrumento temporário", a ser extinto com a estabilização da economia.
Como isto não aconteceu, Campos admite que a correção monetária chega a ser ``uma quase moeda" e acabar com ela ajudará a viabilizar o Plano Real.
A seguir, os principais trechos da entrevista do deputado Roberto Campos concedida na semana passada em Brasília:

Folha - O sr. se considera o pai da correção monetária e da indexação na economia brasileira?
Roberto Campos - O verdadeiro pai foi o professor Otávio Bulhões. Mas eu estava associado a ele e trabalhei na gestação da correção monetária, interpretada como um instrumento temporário para viabilizar contratos de longo prazo e restaurar o crédito público em uma situação inflacionária. Era, essencialmente, um instrumento de estímulo à poupança.
Folha - Como funcionava?
Campos - Havia um prazo mínimo de seis meses para que a correção monetária fosse sacada, na caderneta de poupança e nos depósitos a prazo. Também permitia ao governo vender seus títulos.
Folha - Estes títulos estavam desacreditados naquela época?
Campos - Praticamente, o mercado de títulos públicos inexistia. Eles só eram comprados como contrapartida para a participação em concorrências públicas.
Folha - Quais foram as aplicações da correção monetária?
Campos - A primeira aplicação foi nas ORTNs. Eram títulos com prazo de dois anos para o resgate. Depois passou para os depósitos a prazo e para o balanço das empresas. Mas a idéia sempre foi de um instrumento de transição, que tenderia a se desaparecer.
Folha - A correção monetária foi um jeitinho brasileiro de combate à inflação?
Campos - Vem dos clássicos ingleses a idéia de que a inflação corrói o valor da moeda e que, enquanto ela existir, é preciso existir proteção. Havia experiências tímidas na Finlândia e na França, mas nada com propósitos tão deliberados como os nossos.
Folha - Como o sr. vê esta quantidade de índices que assolam a economia brasileira?
Campos - Com alarme. O Brasil, até o Plano Real, não tinha mais sentido de moeda. Era a única grande economia do mundo operada sem moeda, mas por um grande número de índices. Um dos instrumentos para viabilizar o plano é a eliminação da indexação tal como ela se tornou, um monstro de operação instantânea.
Folha - Quando se perdeu o controle da correção monetária?
Campos - A linha divisória é 1980, quando começa a grande perversão da correção monetária. O prazo de carência foi reduzido e ela deixou de ser mecanismo de estímulo à poupança para se tornar quase moeda. O governo está correto. Quer se livrar da indexação para se livrar da quase moeda.
Folha - É possível uma economia totalmente desindexada?
Campos - É possível, se inexistir inflação. Caso contrário, haverá sempre alguma forma de indexação, mesmo informal. Na realidade, todas as economias atuais têm algum grau de inflação e uma indexação oculta.
Folha - No Brasil, como a economia brasileira vai se acomodar na nova realidade proposta pelo governo?
Campos - As partes vão acabar escolhendo índices específicos. Que haverá indexação, haverá. Apenas vai ser desoficializada.
Folha - A correção monetária criou a inércia inflacionária e a ciranda financeira?
Campos - Existe uma certa relação. Mas que ela seja um fator causal de inflação, é outro problema. A correção monetária é meramente um termômetro. E você não pode dizer que o termômetro causa a febre. Ele mede a febre.
Folha - Mas a correção monetária é mania nacional.
Campos - Porque o Brasil acabou se convencendo de que o governo é incapaz de mudar seu comportamento. O cidadão projeta o passado para o futuro porque acha que o governo não vai mudar seu comportamento, o que tem sido uma premissa muito racional.

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