São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Para deputado, mídia faz campanha contra Congresso

DANIEL BRAMATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O procurador-geral da Câmara, deputado Bonifácio de Andrada (PTB-MG), considera a imprensa uma das principais responsáveis pelo desgaste da imagem do Congresso. ``A mídia, às vezes, representa fatores negativos para nossa evolução social", diz ele.
Andrada foi o responsável por ressuscitar a polêmica sobre a censura, extinta pela Constituição de 88. A seu pedido, a Justiça proibiu a apresentação da música ``Luiz Inácio (300 Picaretas)" em show da banda Paralamas do Sucesso em Brasília, no último dia 23.
A música se baseia na declaração do presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, de que haveria ``300 picaretas" no Congresso.
Andrada também queria a instauração de um processo contra os músicos e a apreensão dos discos, o que negou até quinta-feira, quando a Folha revelou o teor da pedido encaminhado à Justiça.

Folha - O que levou o senhor a pedir a proibição da música ``Luiz Inácio (300 Picaretas)"?
Bonifácio de Andrada - A Procuradoria da Câmara tem por objetivo defender a imagem do Congresso. E todos os deputados foram criticados, chamados de ladrões, picaretas, compradores de votos, anões. Isso representou injúria e difamação contra o Congresso. Tínhamos de tomar providências. A principal foi a abertura de um inquérito contra os autores.
Folha - Na representação encaminhada ao Ministério Público há um pedido de apreensão dos discos da banda. Num primeiro momento, o sr. negou haver solicitado isso. Por quê?
Andrada - Um advogado pede o máximo de providências para conseguir algumas. A juíza só aceitou a abertura de inquérito e a suspensão da música no show em Brasília.
Folha - Se fosse aceito o pedido de apreensão, o sr. recuaria?
Andrada - Não. A mim não compete recuar, mas tomar posições em defesa do Legislativo.
Folha - Como o sr. interpreta a solidariedade aos músicos?
Andrada - O fenômeno está ligado a questões psicossociais que dominam a sociedade moderna.
Há uma reação contra o poder público, o Estado e a autoridade. É uma manifestação meio niilista (a destruição do existente é que permite o progresso), meio anárquica. Existe uma grande despolitização entre nós, e uma das principais responsáveis por isso é a mídia.
Num país subdesenvolvido, a mídia exerce um poder muito grande, e nem sempre os seus dirigentes têm a formação democrática desejável.
Folha - O sr. interpreta as críticas ao Congresso como uma ameaça à democracia?
Andrada - Há alguns anos, as pessoas tinham mais amor pelas instituições parlamentares.
Num país sul-americano, enfraquecer o Legislativo significa fortalecer as forças anti-democráticas. O Congresso não representa só o regime democrático, mas os direitos e as garantias individuais.
Folha - Entre essas garantias está a liberdade de expressão, que o Congresso incluiu na Constituição. Não é uma contradição o Legislativo tentar impedir um artista de se expressar?
Andrada - A Constituição diz que é livre a expressão da atividade intelectual e artística, independentemente de censura ou licença.
Mas esse preceito não pode ser absoluto. Por isso que a Constituição diz que são invioláveis a honra e a imagem das pessoas.
Folha - E como resolver isso?
Andrada - Temos de interpretar os dois preceitos de forma conciliadora para prevalecer a Justiça.
A criação artística deve ser resguardada, mas em alguns casos até a censura policial pode ser compreendida. Se um grupo resolve fazer um espetáculo em praça pública, com atividades obscenas e até fisiológicas, a polícia pode intervir.
Folha - O sr. teme que o episódio da censura provoque uma reação de artistas, com ataques ao Congresso?
Andrada - A sociedade brasileira é democrática. Se esse tipo de música for repetido de forma insistente, a sociedade vai reagir energicamente.
Folha - Por que tantos deputados criticaram sua atitude?
Andrada - Há muitos deputados ligados às atividades artísticas e intelectuais, que se colocam numa posição niilista e anarquista.
Outros defendem a música porque são amigos dos autores, e outros por razões partidárias. A música faz menção a um líder, o Lula, e há gente que a defende por achar que isso o promove.
Folha - O sr. tem filhos que gostam de rock, que gostam dos Paralamas?
Andrada - Tenho filhos que gostam de rock. Mas, graças a Deus, eles têm uma grande formação jurídica e estão solidários comigo. Sem democracia não haveria muitos rocks por aí. Tudo ficaria na mão da polícia, que às vezes é mais violenta ao impedir essa atividade artística.
Folha - De que músicas o sr. gosta?
Andrada - Eu gosto de música brasileira. Aliás, me irrita muito a invasão imperialista das músicas norte-americanas no Brasil. Gosto de samba, frevo e baião, mas também de músicas semiclássicas, como valsas, tangos argentinos.
Folha - O sr. diz que agiu em defesa da imagem da Câmara. Mas ela não sofre um desgaste ainda maior em episódios como a anistia ao senador Humberto Lucena (PMDB-PB), que o sr. apoiou?
Andrada - O problema da democracia no Brasil é o relacionamento da mídia com as instituições. No Brasil, a imprensa tem um domínio maior do que na Europa e nos EUA.
O caso do senador Lucena é revoltante. A mídia, naquele momento, estava a serviço de grupos que não queriam políticos no ministério de Fernando Henrique Cardoso.
Estava dentro de um planejamento para desmoralizar o Congresso. A mídia, às vezes, representa fatores negativos para nossa evolução social.
Folha - E o sr. defende limitações para esse poder?
Andrada - Não há como limitar. Mas devemos criar outros centros de informação. O Congresso deveria ter sua própria TV, suas próprias rádios.
Folha - O sr. credita à imprensa a imagem desgastada do Congresso?
Andrada - Não. Há fatos recentes, como a investigação da CPI do Orçamento, e um ou outro deputado, que são causas deste desgaste. Mas a mídia exagera muito.

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