São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Quem paga o pato?

FRANCESC PETIT

Não demorou muito para que os honoráveis e cavalheiros ingleses nos dessem o troco. As espertezas e artimanhas dos publicitários brasileiros irritaram sobremaneira os grandes publicitários anglo-saxões, que não acreditam que coisas deste tipo, como filmes e anúncios fantasmas, possam acontecer num festival de publicidade.
Isto porque os queridos colegas britânicos desconhecem o nosso grande ``know how" em matéria de fantasmas, como contas bancárias fantasmas, funcionários públicos fantasmas, cheques fantasmas, aposentados do INSS fantasmas, eleitores fantasmas, empresas fantasmas, clínicas e creches fantasmas, até estradas e pontes!
Essa cultura jamais seria imaginável na cabeça de um inglês e certamente dá de dez a zero nos famosos ``ghosts" de tantos filmes e livros verdadeiros que inspiraram histórias como ``O Fantasma de Canterville", de Oscar Wilde.
O rotundo fracasso dos jurados brasileiros é o preço que todos nós estamos pagando pela ambição pessoal de alguns mais afoitos e inescrupulosos, que não pensam nos colegas ou na profissão como um todo, que nutrem patente desprezo pelos colegas.
O seu egoísmo deixou dezenas de profissionais frustrados, tristes e magoados com tamanho estrago no prestígio mundial que a propaganda brasileira gozava.
Naturalmente todos os jurados da Sawa, em Cannes, passaram a olhar os nossos anúncios e cartazes com tremenda desconfiança e com um forte espírito vingativo. E não é para menos, pois quando aceitaram os prêmios e ``Grand Prix" ganhos pelo Brasil, foram taxados de trouxas, de bobos, pois eles acreditavam que estavam votando em anúncios verdadeiros, como José Roberto Whitaker Penteado diz num de seus últimos artigos. Há mais de um ano, eu já vinha alertando para esta atitude irresponsável deste pequeno grupo. Agora, quem vai pagar a conta, quem vai devolver o dinheiro gasto pelas agências com as inscrições de comerciais e peças impressas? Quem devolverá o dinheiro das inscrições dos profissionais que foram para Cannes? Quem pagará de volta as despesas com passagens, hotéis e outras despesas? Até é possível que esse grupo seja suficientemente rico para poder ressarcir aos publicitários e jornalistas dez vezes mais do que isto. O que jamais poderão devolver é a honra e a dignidade que a nossa profissão tinha no mundo, este prestígio construído durante décadas por profissionais com ``P" maiúsculo, sérios e dignos representantes do Brasil em todos os eventos internacionais e junto aos melhores profissionais do mundo.
Não há dinheiro no mundo que pague tamanho estrago. Há nisso grande parte de responsabilidade do presidente da Promocine, sr. Luiz Antonio, que representa a Sawa no Brasil, e dos clubes de criação do Rio e São Paulo, assim como todas as entidades de classe, tanto de publicitários, produtoras e clientes, pois essa desgraça atinge a todos, sem exceção, principalmente àqueles que se acham mais espertos que os outros.
É curioso que meus patrícios espanhóis, mais exatamente barceloneses, que vivem o mesmo drama, também aderiram ao mundo dos fantasmas e já há vários anos, até com mais atrevimento, ousadia, investimentos, o que lhes trouxe um excepcional Grand Prix no setor que interessa, o de comerciais de TV, com o famoso comercial do anjinho com o pintinho quebrado.
Diria que em número, os espanhóis, em matéria de produção fantasmagórica, batem de longe o Brasil, resultado do excesso de ambição de levar vantagem sobre os seus colegas, usando métodos antiprofissionais e, igualmente no Brasil, jogando a propaganda espanhola na vala comum dos trapalhões latinos.
Agora somos motivo de zombaria por todo o hemisfério norte e isso, fatalmente, repercutirá negativamente no seio das multinacionais instaladas no Brasil.
Nada melhor para confirmar este ponto de vista do que a terrível e humilhante vaia que o presidente do júri levou na entrega de prêmios. Todos os participantes estavam furiosos pela atitude egoísta e amadora dos jurados deste festival, que ficará na história como o pior já realizado até hoje. Afinal de contas, a vaia é uma das expressões mais autênticas e sinceras do espírito democrático.

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