São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
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Mapplethorpe ganha biografia polêmica

Fotógrafo americano é acusado de oportunismo no livro

ZECA CAMARGO
EDITOR DA ILUSTRADA

O diabo anda aumentando sua clientela, como sempre. Segundo a autora Patricia Morrisroe, o controverso (e famosíssimo e riquíssimo e badaladíssimo) fotógrafo Robert Mapplethorpe seria mais um dos que, seduzidos pelo sucesso, teria vendido sua alma ao demônio.
A biografia entitulada apenas ``Mapplethorpe" acaba de ser lançada Estados Unidos (que pode ser encomendada na livraria Cultura, tel. (011) 285-4033) e é explicitamente feita para levantar polêmica, defendendo que o fotógrafo era mais um ``sexomaníaco" e carreirista social do que um artista.
Não que o currículo de Mapplethorpe fosse dos mais comportados. Com seus registros do chamado ``submundo" da vida sexual gay nova-iorquina nos anos 70, o fotógrafo conseguiu atrair bastante atenção para seu trabalho.
Quando suas fotos estavam começando a chamar atenção, Mapplethorpe resolve mudar de estilo. Como escreve Morrisroe, ``na esperança de estender seu apelo comercial, ele se esforçou para fazer mais fotos de flores".
Daí, lá pelo fim dos anos 70, Mapplethorpe iria por um caminho fácil -e dele, para os retratos de celebridades e famosos da sociedade de Nova York.
Mesmo oscilando entre confortáveis nichos comercias, autoclichês sadomasoquistas e eventuais momentos brilhantes, Mapplethorpe construiu uma aura de respeito.
Curiosamente, a repercussão na mídia de seu trabalho foi maior depois de sua morte, em 1989, por problemas relacionados à AIDS.
``The Perfect Moment", uma exposição que rodou os Estados Unidos no início dos anos 90, provocou polêmica por onde passou.
O problema com essa exposição era que ela foi montada com dinheiro público do National Endowment for the Arts, uma fundação nacional para as artes.
E claro que o sempre conservador contribuinte americano detestou ver seu dinheiro gasto com uma espécie de pornografia. E claro também que a mostra foi um sucesso por causa polêmica.
Foi a partir daí que Mapplethorpe chegou ao grande público.
Agendas, calendários, camisetas -tudo que pudesse imprimir uma reprodução de uma foto sua foi (e continua sendo) utilizado. Uma de suas fotos ``decentes", que fique bem claro.
Parte de seu ``acordo com o diabo", como sugere a autora da biografia de Mapplethorpe, seria abrir mão de seu trabalho ``subversivo" para ceder ao ``agradável".
Morrisroe vai talvez longe demais nas suas insinuações. Para dar mais força à sua hipótese, ela joga descrições como esta:
``Mapplethorpe já tinha tomado um LSD quando começou a gritar, `Eu sou o diabo!' (...) Mapplethorpe insistia que Croland também era o diabo. `Como eu posso ser o diabo?', perguntou Croland, ao que Mapplethorpe respondeu `Você é lindo, e beleza e o diabo são a mesma coisa'."
Junte a isso os ``oportunos" amores de Mapplethorpe com Samuel Wagstaff (colecionador que o lançou) e John McKendry (curador de foto do museu Metropolitan, de Nova York).
Some ainda a insistência da autora em nos lembrar da fixação do fotógrafo pelo corpo negro masculino -insistência até quase desnecessária, por já estar bem registrada nas fotos de Mapplethorpe, numa galeria de nomes como Thomas, Andre, Ken, Michel, Ajitto, Gregg, Derrick e tantos outros.
Aí está a melhor receita para causar uma verta polêmica no meio artístico americano.
Enquanto as críticas à biografia começam a chegar, o diabo, certamente, começa a rir.

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