São Paulo, quarta-feira, 5 de julho de 1995
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Problemas de Organização

ELIAS DAVID-NETO

Problema de organização
A exemplo de outras áreas em nosso país, a atividade de transplantes de órgãos ainda apresenta taxas de Terceiro Mundo. Faz-se oito transplantes renais por milhão de habitantes por ano, enquanto dever-se-ia fazer 40. A Argentina faz 20 e a Espanha, 70.
As cifras de transplantes de coração, fígado e pulmão são menores. Entretanto, pesquisa do DataFolha, publicada em 8 de maio de 95, mostra que 80% da população aceita doar órgãos após a morte, mas não sabe como fazê-lo.
Na atividade transplantadora, cabe às entidades organizadas (médicos, hospitais e secretarias estaduais da saúde) ocuparem-se de todas as fases da "transplantação", quais sejam: "procurar os doadores, "captar seus órgãos e "distribuí-los" entre as equipes transplantadoras.
À população só cabe uma etapa dessa atividade, que é autorizar a "doação", e ela, conforme mostra a pesquisa, está disposta mas não sabe como fazer. Os dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) são parecidos, apresentando taxas menores de doação das famílias abordadas (60-70%).
Toda a infra-estrutura existente em transplantes de órgãos no Brasil foi desenvolvida por médicos interessados nessa prática e a lei federal só regulamentou uma atividade já praticada de modo sadio.
Ela, assim, está eticamente bem posicionada, legalmente perfeita, mas organizacionalmente primitiva. Faltam, no país, as ``Centrais de Notificação e Procura de Doadores". A criação delas foi ordenada às secretarias estaduais da saúde por lei federal, mas não foi regulamentada e só parcialmente cumprida.
As centrais facilitam a comunicação de doadores, registram a disposição do cidadão que quer doar seus órgãos após a morte, fazem um trabalho "educacional" com médicos e enfermeiras dos hospitais de sua abrangência, fiscalizam o cumprimento da lei que obriga a comunicação da morte cerebral em potenciais doadores e coordenam a atividade transplantadora das equipes médicas.
Sua criação em todos os Estados dobraria a atividade de transplantes a custos ínfimos. A ABTO solicitou ao Ministério da Saúde a regulamentação das centrais e está solicitando a cada governador e secretário da Saúde a criação dessas em seus Estados, ofertando a eles um projeto com características regionais.
Os médicos já cumpriram sua parte. Desenvolveram uma atividade transplantadora com eficiência de Primeiro Mundo. Para incrementá-la, só precisam da infra-estrutura organizacional. A população também cumpriu a sua. Aceita a doação de órgãos como uma atitude humanitária e continuará querendo doar, mas agora sabendo como.

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