São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A vida de um bailarino chamado Viola

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, há dias estou planejando escrever alguma coisa sobre o Viola, na verdade, algo que anda a me intrigar na Viola agora valenciana.
São vários os assuntos para esta coluna (Copa América, Paulista, Cafu etc.), mas peço o seu consentimento para divagar um pouquinho só sobre o Viola, o homem das chuteiras coloridas.
Assisti, em Campinas, ao menino franzino (um menino como esses que, da Candelária ao Olodum, pintam um dos retratos do Brasil atual), com um gol desajeitado, virar herói corintiano.
Tempos depois, altos e baixos em sua carreira, e revejo um rapaz agora taludo, pernas e ombros fortes, com uma disposição descomunal, massacrar o Santos em um jogo preliminar no Pacaembu.
Viola havia se transformado. Virou o clown das ilusões recuperadas do novo futebol brasileiro que se anunciava, o animador da festa, o homem espetáculo.
Como o grande J.C. Viola dos palcos da dança (um poeta lembra que a religião nasce com a dança) brasileira, Viola passou a ser o coreógrafo nos campos de futebol vazios do fascínio espetacular.
Como Bill Viola, Viola tornou-se o videomaker, o grande performático do fut brasileiro. Que tenha conseguido os 15 minutos de glória na terra de Andy Warhol, só confirma esta assertiva.
Para mim, Viola (assim como o grande São Paulo de Telê Santana) tornou-se um símbolo, uma metáfora, um fragmento que mostrava a alegoria da alegria que retornava ao grande ritual nacional.
Posso dizer com serenidade por que:
A) Nunca achei que o Viola fosse um jogador das dimensões de uma seleção brasileira em Copa (ao contrário do Alberto Helena Jr., que apostou nele);
B) Sempre pontuei que há uma deficiência fundamental nele, incompatível com um grande atacante no futebol moderno: a mudez da perna direita.
Como assinalei neste espaço trissemanal, Viola voltou da Copa enfastiado, enfarado com a vida e com a bola. A solução para Viola era um novo desafio, novos ares, um novo continente...
Mas eis que, anunciada a compra pelo Valencia, Viola diz que preferiria continuar no Corinthians. Não dançaria ``for money", nem pelos US$ 1 milhão ofertados -e que a Tina Turner cantava por.
Na era dos mercadores da bola, do profissionalismo que muitas vezes significa uma submissão humilhante ao dinheiro, Viola afirma que quer continuar vestindo a camisa, sendo rei na própria terra.
Poucas vezes um time de futebol teve uma demonstração de afetividade, de afinidade eletiva, de lealdade, como a demonstrada por Viola. Eu não poderia deixar passar este fato sem registro.
E o mais fenomenal: após declarar a sua fidelidade ao Corinthians, voltou a jogar um futebol tão vistoso e colorido quanto o arco-íris de suas chuteiras. Uma espécie de adeus em marcha triunfal.
Viola é um espanto. Um devoto da bola que espalha o voto de alegria. Amém.

Amanhã, Brasil. Sábado, Argentina. Que FHC e Menem não atrapalhem o crescimento do Mercosul da bola.

Texto Anterior: Equipe faz 'terapia coletiva'
Próximo Texto: França Tropical
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.