São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O longo caminho da democracia

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Os presidentes do Senado e da Câmara terminaram o primeiro semestre comemorando o bom desempenho do Congresso Nacional. E não foi sem razão. Os parlamentares aprovaram, entre 16 de fevereiro e 3 de julho, 331 matérias, das quais 187 projetos foram à sanção presidencial, inclusive várias medidas provisórias que se arrastavam há meses e atos que reformaram a Constituição acabando com o conceito de empresa nacional e os monopólios do gás, petróleo, telecomunicações e navegação de cabotagem.
É bem provável que o referido avanço se tenha devido ao sangue novo da safra de parlamentares recém-eleitos que, desde sua posse, demonstraram uma firme disposição de trabalhar. Deve ter pesado também a vontade de os congressistas se redimirem do fiasco de 1994, quando tiveram a rara oportunidade de mudar a Constituição por maioria simples e nada fizeram.
Uma ponta de vergonha sobrou ainda do ano de 1993, quando o Congresso Nacional foi enlameado pela má conduta da escandalosa Comissão de Orçamento, dentro da qual habitavam alguns amigos de Deus que, valendo-se dessa amizade, ``papavam" polpudos prêmios da loteria enquanto o povão perdia. Vai aqui um bom-dia ao ex-arcanjo João Alves.
Os tempos de desmoralização da nossa classe política foram longos. Nem se fala no ano de 1992, quando o presidente da República teve de ser afastado, por meio de um impeachment de repercussão planetária.
Depois de três anos de um profundo descrédito, já era hora de os nossos parlamentares darem início a um processo de recuperação da sua imagem e credibilidade, pois nada é pior para os governantes do que perder o apoio dos governados.
O semestre que ora se inicia demandará um empenho ainda maior. Será um tempo de grandes desafios políticos. Sim, porque os assuntos até aqui aprovados -embora importantes para a economia do país- têm uma fraca conexão com o dia-a-dia dos cidadãos. Raros são os brasileiros que associam as suas vidas com as noções de empresa nacional ou da navegação de cabotagem.
Mas os temas que estão por vir envolvem decisões mais difíceis. Em primeiro lugar, há que se aprovar a legislação ordinária da quebra dos monopólios -o que atiçará o corporativismo estatal. Em segundo lugar, os congressistas terão de enfrentar as reformas tributária e fiscal, que mexem com o já combalido caixa dos prefeitos e governadores. Finalmente, restam as mudanças previdenciária e trabalhista, que, estas sim, afetam em cheio a vida dos eleitores.
Daqui para frente, os parlamentares terão de lidar com temas de forte resistência -dentro de um ano, o povo elegerá prefeitos e vereadores. Será um grande teste, sem dúvida. No passado, tais mudanças eram impensáveis em um clima desse tipo. Hoje muita coisa mudou. Parece que a própria sociedade começa a reconhecer a inviabilidade dos privilégios artificiais. Os agentes econômicos, igualmente, vão compreendendo que de nada adianta ter uma legislação protetora em um país que pouco produz.
Por isso, tenho fé que as forças da realidade encaminharão os parlamentares para um semestre de trabalho tão profícuo como o anterior. Mas não podemos dispensar, neste quadro, uma atuação alerta e ativa do governo, pois as decisões do Congresso só surtem efeitos quando implementadas pelo Poder Executivo, o que nem sempre acontece: é só lembrar os portos.

Texto Anterior: Roma
Próximo Texto: METRALHADORA; UMA CÂMERA NA MÃO; DUELO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.