São Paulo, segunda-feira, 10 de julho de 1995
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Futuro dos filhos preocupa os portadores

CÉLIA ALMUDENA; RONALDO SOARES
DA REPORTAGEM LOCAL

Até o ano 2000 estima-se que o Brasil terá cerca de cinco mil órfãos da Aids. Ninguém discute o futuro dessa geração que ficará, na maioria das vezes, desamparada.
O desamparo começa antes da morte. Os pais, que já enfrentam os preconceitos e as dores da doença, têm mais uma fonte de preocupação. Com quem os filhos vão ficar quando eles morrerem?
Maria (os nomes, inclusive os da capa, são fictícios), 33, descobriu que era portadora do HIV quando seu marido ficou doente há seis anos. Após a morte dele suas duas filhas (de 9 e 12 anos) foram morar com tias.
O problema foi com o filho, Ricardo, 11. Ele gostaria de morar com as irmãs do pai, em Belém do Pará. Mas não foi aceito. ``Recebi uma carta delas me proibindo de ir até mesmo visitar a cidade. Foi muito triste", diz Maria.
Míriam, 39, mãe de Rodrigo, 12, e de uma garota de 10 anos, é portadora. O marido morreu em 89, vítima da Aids.
``Nunca sabemos quem será uma pessoa adequada para ficar com nossos filhos. Procuro criá-los independentes e responsáveis", diz Míriam.
Essa preocupação é legítima para Munir Cury, do Ministério Público de São Paulo.
``Os pais podem, através de um documento público, conferir a guarda de seus filhos a alguém no caso de sua morte. E também devem comunicar a pessoa para que ela tenha a estrutura mínima para acolher a criança", diz.
Essa comunicação é a parte mais difícil para os portadores. Alguns nem mesmo contam para os filhos que são soropositivos (apresentam o vírus HIV).
A assistente social Gabriela admite que não sabe como explicar que é portadora para a filha de 10 anos. ``Ela desconfia, já que o pai dela morreu em consequência da Aids", diz.
``Nunca pensei em contar para meus filhos. Quero que eles mantenham a imagem do pai sensacional", diz Marcos, 45, pai de três adolescentes, que vai esconder deles até a morte que é homossexual.
A psicanalista Maria Elisa Pessoa Labaki, 34, do Núcleo de Extensão ao Atendimento de Pacientes de HIV/Aids do Hospital das Clínicas (SP), acha que é melhor revelar a verdade.
``Os pais têm que conversar com os filhos, sem omitir informações. Eles não precisam contar como foi o contágio, que é algo muito íntimo", diz.
O estigma é tão grande que os familiares de portadores temem procurar serviços especializados.
No Cefan (Centro de Estudos e Assistência à Família), por exemplo, que iniciou o atendimento gratuito a familiares de portadores no ano passado, a procura por apoio psicológico é baixa.
``As pessoas não sabem como proceder diante da decadência física e iminência da morte do doente. Poder conversar sobre a doença é muito bom", explica Terezinha Tomé Baptista, 43, psicóloga do Ceaf.

Colaborou Ronaldo Soares, da Reportagem Local.

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