São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 1995
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`Embaixador' de Hollywood se aposenta

SÉRGIO DÁVILA
DA REVISTA DA FOLHA

Se Hollywood fosse um país, Harry Stone seria seu embaixador para a América Latina. Norte-americano de Indianápolis (``Cidade de Emerson Fittipaldi", diz), Stone vive no Rio desde 1954.
Comanda a sede latina da Motion Picture Association, MPA, que defende os interesses dos nove maiores estúdios de Hollywood. Seu principal foco é o Brasil, 7º mercado cinematográfico fora dos EUA, 1º da América Latina.
Com presumíveis 65 anos (``Eu minto muito"), casado com a brasileira Lúcia Burlamarqui desde 1958, Stone tem a cara vermelha e sardenta, bigodes loiros à Dalí e uma gentileza herdada do curso de Diplomacia da Universidade de Georgetown, nos anos 40.
Suas funções: fazer amigos e influenciar pessoas. De preferência na alta sociedade (com concorridas festas de pré-estréia e presença de astros internacionais no país). E no governo, qualquer governo.
Cada lei protecionista de cinema nacional que não passa, cada reserva de mercado nas artes visuais que é derrubada, cada legislação liberal que emplaca, pode crer que o dedo de Stone está por trás (``Sim, sou lobista").
O homem mais poderoso da indústria do cinema na America Latina é avesso a entrevistas. Nestes mais de 40 anos, apareceu muito, mas falou pouco. Quando o faz, é em português, com sotaque carregado, e em inglês.
Há pouco mais de quatro meses, recebeu a reportagem da Folha em seu escritório, no Rio, de onde preparava sua aposentadoria: vai passar de vice-presidente sênior da MPA para consultor. A conversa foi complementada por sucessivos telefonemas. O resultado é a entrevista a seguir.

Folha - Agora que o sr. está se aposentando, já pode confessar: o sr. era mesmo um agente do imperialismo ianque?
Harry Stone - (Risos) Não, não. Meu trabalho é simples. Conseguir para o meu patrão, que é a indústria cinematográfica norte-americana, bastante movimento nos cinemas da América Latina. E, claro, bastante dinheiro.
Folha - E como se consegue isso? Não seria apenas com conversas polidas e festas, não?
Stone - A intenção é sempre paz e sossego. Conseguimos no contato com o pessoal do governo de cada país. Como a França, por exemplo, que anda pensando em leis restritivas ao cinema estrangeiro: a MPA já está se mexendo para tentar mudar isso. Sempre dentro das regras.
Folha - Ou seja, por mais que sua atividade seja cercada de glamour, o sr. é um lobista.
Stone - Essa palavra, que a imprensa descobriu recentemente, mas Brasília já conhece faz tempo, nunca foi muito bonita no Brasil. (Risos) Sim, sou lobista, tento ficar amigo do governo. Aqui, no caso, tento garantir um mercado livre e forte para o cinema brasileiro, o norte-americano e possíveis produções conjuntas.
Folha - O sr. sempre foi acusado de querer acabar com o cinema nacional. O cineasta Glauber Rocha, já em 1964, o chamava de agente da CIA. Bem, o cinema brasileiro efetivamente acabou e só agora começa a experimentar uma reação. Tudo culpa sua?
Stone - (Risos) Não, não. Quando cheguei aqui, em 1954, o cinema brasileiro estava no auge. Depois, os diretores começaram a fazer os chamados ``filmes de arte", com histórias tristes e complicadas. E Hollywood continuou a fazer filmes que atraem mais gente, filmes de ação, humor.
Então, eles ficaram chateados com a gente. Mas era só perceber que o povo brasileiro é alegre. O brasileiro é artista por natureza, você vê um repórter entrevistando uma família humilde na televisão, eles não têm medo de nada, falam com a maior naturalidade. São atores natos, ao contrário dos ingleses e dos norte-americanos.
Isso você repara nas próprias telenovelas. Se elas fazem um grande sucesso, até mundial, porque não os filmes? Mas acredito nesse recomeço do cinema nacional. Pode-se até ter menos títulos, mas com muito mais público.
Folha - A partir de Juscelino Kubitschek, o sr. conviveu com todos os presidentes brasileiros. Qual foi o mais simpático à sua, digamos, causa?
Stone - Acho que o próprio presidente Juscelino. Eu logo me casei com uma brasileira e ele foi padrinho de nosso casamento, o primeiro presidente brasileiro a ser padrinho de um estrangeiro. JK era uma pessoa especial, um verdadeiro fã do cinema. Tanto que, ao mandar construir o Palácio do Alvorada, fez questão de incluir uma belíssima sala de projeção.
E todos os ministros da época, até o vice-presidente, tinham sala de cinema nos gabinetes. Cada pré-estréia era uma festa, e todos faziam questão da pré-estréia. A sala do Alvorada é luxuosa, muito melhor que a da Casa Branca!
Folha - Esta sala foi o primeiro lobby do sr., então?
Stone - Imagine, eu nem posso entrar lá! (Risos) Não, não, JK pensou em tudo. Fazia questão que eu levasse os artistas de Hollywood para ele conhecer. E era sempre gentil.
Uma vez, Kim Novak chegou ao palácio e foi tirando os sapatos. ``O sr. me desculpe, presidente, mas meus pés estão me matando", disse ela. Ele tirou os sapatos também, em solidariedade.
Folha - E os outros presidentes?
Stone - Fui amigo de todos. Até do próprio João Goulart, numa época em que isso era difícil. Naturalmente, Castello Branco era o que tinha menos interesse pelo cinema. E, com o Geisel, não cheguei a me reunir, apenas nos encontramos socialmente.
Mas não tive apenas amigos presidentes. Eu gostava muito, por exemplo, do ex-ministro Hélio Beltrão. Sou fã e amigo de muitos anos do vice-presidente Marco Maciel. Sempre admirei o ex-ministro Jarbas Passarinho, que discursava muito bem. Me dou também com o ex-ministro Bernardo Cabral, aquele que dançou bolero.
Até a convivência com o ex-governador Leonel Brizola foi fácil. Nos anos 60, ele me convidou para um almoço que estava dando para o embaixador da ex-Tchecoslováquia. Você sabe, em plena Guerra Fria, os comunistas não eram os melhores amigos dos Estados Unidos. Pois Brizola me apresentou como ``embaixador de Hollywood". Ficou um clima tenso. (Risos) Mas sou seu amigo até hoje. Quando ele estava exilado no Uruguai, fui visitá-lo. Era pouco recomendável, mas o meu governo sempre achou que devemos ser amigos de todos.

LEIA MAIS
a continuação da entrevista à pág. 5-6 e entrevista com Steve Solot, da MPA, à pág. 5-10

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