São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 1995
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A mulher e a igreja

CARLOS HEITOR CONY

Pedir desculpas entrou em moda. Os alemães pediram desculpas pelo holocausto, parece que o Brasil já pediu desculpas aos paraguaios por conta de uma guerra no tempo do Império. Agora é o papa quem pede desculpas pelos 20 séculos de machismo explícito por parte da Igreja.
Um dos avanços do cristianismo foi a elevação da mulher à condição de ser humano. Cristo foi acusado de ter mulheres em seu séquito, de perder tempo com elas. O episódio com a samaritana é um dos mais belos dos evangelhos. Cristo contrariou o judaísmo oficial mantendo diálogo com a mulher de Samaria, duplamente discriminada pelo Templo: por ser mulher e por ser de Samaria.
E há as duas irmãs, Marta e Maria, uma das quais compreendeu ``a melhor parte". E o definitivo caso da pecadora, que a lei mosaica mandava apedrejar e que teve o perdão socraticamente formulado: ``Quem nunca pecou atire a primeira pedra".
Apesar desses exemplos, o cristianismo oficial repetiu o machismo judaico até há pouco. O grande São Tomás, que resumiu a sabedoria de sua época, chegou ao exagero de afirmar que o homem nascia com alma, mas a mulher só a adquiria 40 dias depois do nascimento. Uma dedução primária do apólogo com que o Gênesis judaico explicou a criação da mulher, vinda de uma costela de Adão.
O judaísmo e as religiões que se formaram em torno de seu núcleo (cristianismo e islamismo) mantiveram a discriminação no culto. A menstruação da mulher é considerada impura até hoje por judeus ortodoxos e muçulmanos. A liturgia das três religiões colocava a mulher como subproduto da espécie, apesar dos exemplos de Rute, Judite, Ester e tantas outras. No caso do cristianismo, Maria.
O papa já pediu desculpas a Galileu. Agora é a vez das mulheres. Atravessando a história como portadora de uma verdade, em diversos lances a Igreja trocou a eternidade de sua mensagem pela oportunidade do instante. Essas mudanças radicais de pensamento costumam esconder dois enganos num só erro.

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