São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 1995
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Maranhão dança com as imagens do boi

FERNANDO CÉSAR MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

As manifestações culturais ancoradas em tradições e mitos do imaginário popular, nascidas ao longo dos quase 500 anos de convivência entre brancos, negros e índios, afloram nas cores e nos ritmos que encantam São Luís do Maranhão de janeiro a dezembro.
Mas se acentuam e crescem na intensidade da participação coletiva de maio a julho, época das apresentações de duas centenas de grupos de bumba-meu-boi.
Não há bairro na ilha, ou no seu entorno, que não tenha os seus brincantes, a sua agremiação, a maioria delas abertas, mas algumas extremamente herméticas, nas quais, para que o indivíduo seja aceito, é necessário ser parente de um componente ou dele conhecidos os antecedentes.
Na definição do professor Domingos Vieira Filho, o bumba-meu-boi é o ``auto-dramatizado, com uma constante temática conhecida, mas que se enriquece a cada ano de novos elementos, tendo um elevado poder de comunicação porque funciona no plano sócio psicológico, como uma espécie de revista do ano".
O boi integra ricos e pobres, pelo menos nas festas, pois nas exibições os assistentes caem na dança, não raro, até o dia amanhecer.
Quem tiver disposição, além do folguedo do boi, pode ver de perto e entrar no clima do tambor-de-crioula, ou de mina, e participar do cateretê, da dança-do-coco, da dança portuguesa, do baile de caixa, do cacuriá, do lelê ou da conhecidíssima quadrilha de São João, com casamento na roça e tudo o mais.
E principalmente experimentar e gozar a sensação de ser envolvido e levado em rodopio pela magia quem vem dos atabaques, matracas e tambores.
O sociólogo Pedro Braga, especialista em cultura popular, escreve no ensaio ``O Sebastianismo no Maranhão" que o motivo do touro aparece em diferentes culturas. Os babilônicos escolheram-no para representar um signo do zodíaco.
Na França, por exemplo, havia a festa do boeuf gras (boi gordo em francês), no equinócio da primavera sob o signo do touro.
Há quem veja nela a sobrevivência de um culto ao deus Mitra, ou ainda remanescente do culto ao boi Ápis, touro sagrado do Egito e símbolo da fecundidade da terra, de que nos falam Estrabão, Heródoto e Plínio.
É o mesmo Braga que localiza uma interpretação mais próxima do ritual cristão: a morte do boi, na véspera da quarta-feira de cinzas, significaria o fim dos ``dias gordos e a entrada da quaresma, o último dia em que é autorizada a ingestão de carne antes do jejum".
Conhecido em alguns Estados como boi-bumbá e em outros como boi-de-mamão, o bumba-meu-boi deve ter começado durante o que, na história econômica do Brasil, convencionou-se chamar de o ``ciclo do couro", numa referência à introdução, em larga escala, do gado vacum no Brasil Colônia.
Seu enredo gira em torno do tema da fertilidade, tendo como cenário o ambiente de uma fazenda.
Pai Francisco, ou Cazumbá, consegue engravidar mãe Catirina, ambos já idosos. Ela deseja comer a língua do mais viçoso novilho do patrão. Insuflado por ela e temeroso de que a mulher venha a perder o filho, mata o boi.
É então perseguido e preso pelos caboclos de Pena, os jagunços ou policiais da função, seguindo-se várias peripécias e críticas sociais e de costumes, terminando com a ressurreição apoteótica do animal.
O desenrolar da teatralização é dividida em etapas, coordenadas por toadas cantadas pelos amos.
Na sequência vêm o guarnicê, momento primeiro da reunião; o lá-vai, uma toada que avisa aqueles que esperam o boi e anuncia o local da apresentação; a licença ou chegou, o pedido, a solicitação para apresentar o grupo e seu ``novilho"; a saudação, toadas de louvação ao boi e ao dono da casa.
Os grupos do Maranhão têm sotaques que os diferenciam pelos instrumentos. O sotaque de matraca ou da ilha, mais aberto ao grande público, é fácil de identificar musicalmente pela presença de pandeirões e de matracas.
Sotaque de zabumba é aquele que se marca pela presença retumbante da percussão rústica sentida profundamente por seus adeptos como se fosse um rufar dos tambores africanos que se ouvem à noite nos terreiros de mina.
E, finalmente, o sotaque de orquestra, onde sobressaem instrumentos sonoros como pistons, sax, clarinetas, banjos, entre outros. E o sotaque do pindaré, caracterizado pelo toque mais leve e mais suave, tanto dos pandeiros quanto das matracas.

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