São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
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Solidariedade e responsabilidade

VOLNEI GARRAFA

A legislação que dipõe sobre a retirada e transplante de partes do corpo humano com fins terapêuticos, tem pouco mais de dois anos. Foi elaborada pelo governo, Congresso e Conselho Federal de Medicina, avançando com relação àquela de 1968.
A doação inter vivos estendeu-se a todos os graus de parentesco, primos até segundo grau inclusive, cunhados e entre cônjuges. As sociedades maduras avançam devagar, mas com firmeza; e foi isso que aconteceu no caso.
Sem nenhuma discussão com a sociedade, apareceu no Congresso em 1995 pelo menos uma dúzia de projetos relativos à matéria. Ao lado de propostas que tratam de avançar com precaução, surgiram outras que mudam completamente a lei nos casos post-mortem, introduzindo o "consentimento presumido.
Este princípio significa que caso o cidadão não tenha se manifestado em vida contra a retirada de seus órgãos, está consentindo com a remoção dos mesmos após sua morte.
A Áustria é um dos poucos países onde esse princípio já vigora plenamente, além da França e Bélgica, com algumas restrições. Nos EUA, tendo como base o respeito à autonomia de cada cidadão, ele não é aceito, como na maioria dos países europeus.
No Brasil, um projeto de lei nesse sentido já foi aprovado pelo Senado; não havendo recurso de plenário, segue direto ao presidente da República para sanção ou veto. Silvano Raia declarou à Folha em 19 de junho passado que é "favorável à teoria liberal; quando o sujeito morre, o cadáver pertence à sociedade.
Por mais que pense sobre o assunto, não encontro nada de "liberal no mesmo. Pelo contrário, com a caótica conjuntura sanitária do país, trata-se de mais uma lei que contraria frontalmente os interesses da maioria da população.
Para ilustrar, menciono alguns problemas imediatos: obrigatoriedade de explicar a milhões de analfabetos e semi-analfabetos o que é "autonomia; preparação adequada dos institutos de medicina legal quanto ao "respeito ao cadáver (religioso, cultural etc.); divulgação permanente e rigoroso controle público das listas de espera de receptores; criação de estrutura hospitalar adequada à recepção, seleção, distribuição e controle dos órgãos; perigo de surgimento de um "mercado humano; desestímulo à doação altruística.
O princípio do "consentimento presumido é um futuroso caminho a ser percorrido pela ciência e pela sociedade mundial. Devido a agudos problemas sociais e sanitários, o Brasil não está preparado para assumir esse avanço.
Entre uma desejável e "inocente solidariedade e a segurança responsável, fico com a segunda opção. Pelo menos por enquanto...

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