São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
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A sabedoria convencional e a desindexação

MAILSON DA NÓBREGA

A expressão ``sabedoria convencional" foi cunhada pelo economista John Kenneth Galbraith há 37 anos. Representa a enunciação de uma idéia de grande aceitabilidade, que o público deseja ouvir ou falar. Costuma ter a aprovação geral porque satisfaz o ego. O indivíduo sente prazer em saber que pessoas famosas compartilham suas conclusões.
O debate recente sobre a desindexação no Brasil é um bom exemplo. O governo tomou a frente. Era preciso desindexar. Em seguida, baixou uma tortuosa medida provisória que criou a livre negociação com liberdade limitada.
Como se sabe, a correção monetária generalizada tornou a inflação rígida para baixo. Combatê-la apenas com políticas fiscal e monetária seria uma estultice, dados os custos sociais extraordinariamente elevados. A idéia vitoriosa foi a de que primeiramente seria necessário desindexar, de preferência sem congelamento. O sucesso da URV provou a tese.
A grande desindexação aconteceu há um ano com o Plano Real, conforme lembra o professor Affonso Pastore. Apesar disso, o assunto voltou com toda força. Gente famosa a advoga. A opinião pública aceita. É um caso típico de sabedoria convencional.
O problema é que a oposição pode dizer que a desindexação atingiu apenas os trabalhadores. A rigor, o governo precisa mesmo é da flexibilização dos salários, sem a qual os ajustes no câmbio e nas tarifas públicas podem transformar-se em mera inflação, que anularia tais ajustes e ameaçaria o Plano e os assalariados.
Os tributos não foram desindexados. Seria uma temeridade. Se a inflação subisse por algum acidente, a perda seria irreparável. Os tribunais já decidiram que a reindexação deve obedecer o princípio da anterioridade: só vale no ano seguinte. A prudência ditou também as mudanças suaves nas regras do mercado financeiro.
De acordo com a sabedoria convencional, entretanto, o certo seria a desindexação radical. Criou-se, assim, uma situação curiosa. Os economistas simpáticos ao governo dizem que este foi tímido. Os economistas favoráveis à oposição afirmam que a medida foi assimétrica e prejudicial aos trabalhadores.
É difícil entender por que o governo deu esse passo. Não era essencial para o Plano. O que restou de indexação é semelhante ao que existe em economias estáveis. A diferença é a obrigatoriedade, como no reajuste de salário por índices de inflação passada. Mas isso serve para coordenar expectativas e evitar formas piores de indexação durante a transição para a estabilidade duradoura.
A necessária eliminação dos resíduos de indexação formal deve subordinar-se a uma inequívoca viabilidade técnica e política. É contra-indicado fazê-lo com equilíbrio macroeconômico instável, inflação anual de 30% e cultura de indexação prevalecendo entre sindicalistas, empresários, juízes e políticos.
A suspensão pelo sTF de dispositivos da medida provisória mostrou que a proposta do governo merecia maior amadurecimento. Espera-se que contribua para que os economistas incluam mais as questões institucionais e de poder em suas análises, ensinando-lhes que a sabedoria convencional pode se tornar repentinamente obsoleta para explicar certos raciocínios.

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