São Paulo, sábado, 15 de julho de 1995
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Voto da maioria

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Para que serve? Na sociedade democrática, manifesta a adesão do povo a uma causa e o compromisso do grupo. Permite conhecer, pela eleição, os candidatos que têm maior aceitação popular. É assim em tantos casos em que se deseja saber a vontade do grupo.
O voto da maioria não é, no entanto, o instrumento apto para dirimir questões técnicas. Que dizer se as empresas aéreas, para escolher os pilotos, recorressem ao voto majoritário dos passageiros? Ser bom piloto depende de alta capacitação e não do sufrágio universal. A verdade não se encontra por decisão da maioria. Há séculos, qual teria sido o voto da população sobre a Terra girando em volta do Sol? Poucos seriam a favor. Mais recentemente, a sondagem popular que teria respondido sobre a viagem do homem à Lua, a queda do Muro de Berlim ou sobre a coesão territorial da URSS? É muito provável que grande parte da humanidade se pronunciasse em discordância com a verdade dos fatos.
O pronunciamento da maioria só indica o óbvio, isto é, a posição subjetiva do grupo ou da sociedade a respeito de um problema qualquer. Nada mais. Não diz o que é certo, nem o melhor; aponta apenas a opinião da maioria. Pode, portanto, revelar o grau de desconhecimento do grupo e não o acerto da resposta. O mesmo vale para as questões éticas, com a agravante de que o equívoco em confundir a vontade do povo com a verdade objetiva induz a danos graves que lesam a dignidade da pessoa humana.
Com efeito, o voto da maioria pode se transformar em dominação da vontade dos mais fortes, atropelando direitos fundamentais da pessoa. Que dizer quando a sociedade, consultada por plebiscito, opta pela expulsão de estrangeiros ou pela eliminação do nascituro portador de deficiências físicas ou mentais? Ou ainda se pronuncia sobre a legalização da eutanásia ou do aborto provocado? Sob o escudo do voto da maioria, acabaríamos pretendendo justificar ações criminosas. A soma dos votos não muda a natureza do erro, só demonstra quão numerosos os que se opõem à verdade. O critério ético não é a vontade da maioria, mas a conformidade com as exigências da pessoa humana.
A falha metodológica de recorrer ao voto da maioria como pseudocritério da verdade é hoje acentuada pelo poder dos meios de comunicação. Podem, com rapidez e apelando para aspectos emocionais, alterar convicções e costumes em relação à vida conjugal, ao direito de nascer, à família, à convivência entre os povos e demais valores espirituais, atingindo, com maior impacto, a juventude. Os espectadores ficam expostos a informações parciais e tendenciosas que dão lugar à manipulação política, geram mudanças culturais e criam um consumismo voraz e alienante.
Já pensamos no desserviço à cidadania acarretado pelo desatino de submeter ao voto da maioria -no Congresso ou na sociedade- questões éticas complexas, dando a impressão errônea de que a decisão popular se identifica com o critério da moralidade? Liberdade de opção e verdade precisam caminhar sempre juntas.
A melhor contribuição para a sociedade democrática é a de educar a consciência moral dos cidadãos no pleno respeito às exigências da dignidade da pessoa e do amor ao próximo inscritos pelo Criador no coração humano.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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