São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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Técnico não pode ter coração, diz Zagallo

FERNANDO RODRIGUES; MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADOS ESPECIAIS A RIVERA (URUGUAI)

O alagoano Mario Jorge Lobo Zagallo, 63, é um recordista. Para ódio de seus detratores, ele conquistou a marca inédita de 75 jogos como técnico à frente de seleções brasileiras de futebol (principal e olímpica) na semana passada. Perdeu apenas 4, venceu 54 e empatou 17 vezes.
``Eu sou um vitorioso", proclamou ele à Folha na sexta-feira, durante entrevista exclusiva que durou 1 hora e 16 minutos.
A última vez que perdeu um jogo comandando o Brasil foi na Copa do Mundo da Alemanha, em 6 de julho de 74, na primeira das suas duas passagens pela seleção. O time caiu diante da Polônia.
Apesar de suas conquistas -provavelmente imbatíveis-, Zagallo guarda ressentimentos. Lamenta não ter visto o meia ofensivo Paulo César Caju como titular na seleção campeã de 70.
Reclama também das críticas que recebeu do jornalista João Saldanha, morto em 90. Zagallo sucedeu Saldanha na seleção que venceu o tricampeonato no México. ``Ele saiu (da seleção) pelas cagadas que fez", disse.
O técnico também aproveitou para, mais uma vez, dizer que não convocou o centroavante Dario em 70 por imposição do então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici.
``Se o Médici tivesse feito a imposição, se isso fosse verdadeiro, o Dario seria titular ou, pelo menos, ficaria no banco. Ele não ficou nem no banco", disse.
E, sobre a equipe atual, Zagallo diz estar observando-a para decidir sobre a melhor formação. Nesta Copa América, já usou 17 dos 22 jogadores convocados.
Quando se trata de substituir, ensina: ``Treinador não pode ter coração". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Há uma renovação na seleção. Mesmo no grupo que o sr. convocou, há mudanças. Há coerência nas alterações?
Mario Jorge Zagallo - Eu não estou mexendo na base do time. Não sou incoerente. Ao contrário, eu observo e vejo o que é melhor.
Folha - Como o sr. costuma decidir? No caso do Leonardo, quando soube que Zinho não jogaria contra a Colômbia, como foi a decisão?
Zagallo - Foi de estalo.
Folha - O sr. costuma anunciar o time apenas na véspera. Apesar disso, já decidiu quem jogará na primeira partida das quartas-de-final?
Zagallo - Acho que o jogador tem que saber primeiro. O problema de dúvida não existe, porque eu não pensei ainda.
Folha - O sr. disse que a entrada do Túlio contra a Colômbia foi fundamental. Ele fica?
Zagallo - A vantagem é que temos um grupo. O importante é o jogador se movimentar. O jogador não pode jogar parado na frente. Estamos numa evolução. O jogador parado é facilmente marcado.
Folha - O sr. modificou, ao longo da sua carreira, a maneira de se relacionar com jogadores? É difícil substituir um jogador?
Zagallo - Um treinador não pode ter coração. Treinador tem que olhar e botar aquele que for melhor para a seleção. Não importa quem. Você está olhando para o time e não para indivíduos.
Folha - É sua a frase ``treinador não pode ter coração"?
Zagallo - Isso é uma coisa que eu aprendi no início da minha carreira, com uma pessoa chamada Neca. Ele jogou no São Paulo. Depois, foi treinador da garotada do Botafogo, em 66, quando eu era técnico dos juvenis. Às vezes, você conhece o jogador, ele é bacana, e tem pena de tirar o cara.
Folha - O sr. teria pena de tirar o Jorginho do time?
Zagallo - Eu não quero citar o Jorginho, por favor. O negócio é que tudo passa na vida. Todo o jogador vai ter o seu limite.
Folha - No caso de Edmundo ser sacado do time, o sr. teme pela reação que ele possa ter?
Zagallo - Olha, eu não dei ênfase a esse assunto. Eu fiz o que eu achava que tinha que fazer.
Folha - O sr. pretende conversar com ele sobre o assunto, a forma como ele saiu de campo contra a Colômbia?
Zagallo - Não. Ele saiu e deu sinal de que não gostou, como todo mundo viu. Não veio falar comigo depois do jogo. Se ele tivesse me xingado, seria diferente.
Eu fiz a substituição que eu achava que deveria fazer. E deu certo. Ponto. PT, saudações.
Folha - Nessa linha de que cada jogador tem seu limite, acha que Bebeto e Romário já fizeram o seu trabalho na seleção?
Zagallo - Eu não preciso citar nomes. Há jogadores que estão fora, se você analisar pelas convocações que foram feitas.
Folha - O sr. diria que a renovação de 90 para 94 foi mais tranquila ou fácil do que a de 70 para 74?
Zagallo - Se você fizer uma análise de 70 para 74, você vai ver que não tínhamos nenhuma base olímpica. Eu falei comigo mesmo: ``Não vai dar".
E quase que a gente chega. Eu perdi os jogadores fundamentais de 70: Pelé, Tostão, Gérson, Clodoaldo, Carlos Alberto. Chegamos na Copa do Mundo de 74 e perdemos o Leivinha. Desloquei o Jairzinho para ponta-de-lança e entrou o Valdomiro na ponta. Foi uma base forte que saiu. Os que entraram não estavam à altura.
Folha - E agora?
Zagallo - A desvantagem que tivemos de 90 para 94 é que tínhamos uma base que foi aproveitada com algumas mudanças táticas.
Eram jogadores que já haviam participado de Copa do Mundo e tinham tarimba internacional.
Folha - Quando o sr. assumiu a seleção, depois da Copa do Mundo dos EUA, comentava-se que seria apenas ``mandato tampão", até um eventual retorno de Carlos Alberto Parreira. O que o sr. acha disso?
Zagallo - Você acha que eu vou assumir um negócio como tampão tendo quatro títulos mundiais? Não tem como. Quando o cara quer ferir o outro, tem dor de cotovelo, fala essas coisas e fica esperando uma derrota. São os maus profissionais. Não têm o que falar e dizem coisas indevidas.
Folha - O futebol lhe deu mais alegrias ou tristezas?
Zagallo - O futebol sempre me deu mais alegrias. Porque sou um vitorioso. Por que eu vou ficar triste se eu sou tetracampeão mundial? Tenho que agradecer ao papai do céu por ter me iluminado.
Folha - A impressão que se tem é que o sr. procura responder a todas as críticas com a citação dos quatro campeonatos mundiais conquistados. É isso?
Zagallo - Não, não é por aí. Não vou dizer a você que não fico vaidoso pela marca. Todo ser humano tem vaidade. Quem é que não gosta de pegar o jornal e ver que estão falando bem?
Folha - Qual jogador o sr. considera injustiçado no Brasil?
Zagallo - Paulo César Caju.
Folha - Por quê?
Zagallo - Porque ele não era bem visto, sei lá. Não era simpático, talvez. Mas tinha um futebol de primeira. Ele seria o titular da seleção. Mas atravessou aquele momento de jogos amistosos antes da Copa de 70... Ele foi a São Paulo e recebeu uma vaia que empurrou ele para o meio do campo.
Folha - Ele teria sido jogador titular no México?
Zagallo - Ele era o ponta-esquerda titular. Mas sentiu (a vaia) e eu fiz essa adaptação do Rivelino. Deu certo e eu não mexi. Ele acabou ficando na reserva sendo um senhor jogador de futebol.
Folha - O episódio mais controverso de sua carreira é o da convocação do centroavante Dario. O sr. foi obrigado a convocá-lo por imposição do então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici?
Zagallo - O (João) Saldanha falava isso. Uma vez me perguntaram isso na frente do Saldanha. Se eu calasse a boca, estava perdido. Eu falei: ``Olha Saldanha, se aconteceu algum problema com você, eu não tenho nada a ver. Agora, comigo não existiu. Quem convocou fui eu. Jamais um presidente ia descer para convocar alguém".
O Dario foi artilheiro por onde passou. E me chamam de retranqueiro. O Saldanha sempre foi um cara que me chamou de retranqueiro. Agora, no time dele só tinha meio-campo. Eu desconvoquei o Dirceu Lopes e o Zé Carlos, do Cruzeiro, meias, para convocar dois pontas-de-lança.
Se o Médici tivesse feito a imposição, se isso fosse verdadeiro, o Dario seria titular ou, pelo menos, ficaria no banco. Ele não ficou nem no banco.
Folha - Como surgiu a história, então?
Zagallo - Isso foi uma proteção do Saldanha em relação a coisas que disse. Ele disse que o Pelé estava cego. O Pelé nunca foi cego. Depois, ele disse que não falou.
Folha - Por que o Saldanha dizia essas coisas?
Zagallo - Não sei. Ele saiu (da seleção) pelas cagadas que fez. Essa é a verdade. E eu entrei no lugar dele. E tem muita gente que quer me tirar o mérito. Quiseram dizer que eu peguei o time montado.
Folha - Quem disse isso?
Zagallo - O Gilmar, goleiro (da seleção) em 1958, meu amigo, entre aspas.
Folha - Por que o Saldanha tinha tanto ódio do sr.?
Zagallo - Porque eu o substituí. Eu não tenho culpa. Eu achava até que deveria ter sido antes. O médico era do Botafogo. O preparador físico era do Botafogo. E eu tinha sido campeão, de 67 e 68, pelo Botafogo. Quem tinha que ser o treinador?
Folha - Qual foi o jogo mais triste da sua vida como técnico da seleção?
Zagallo - Foi a derrota para a Holanda, em 74. Porque, apesar de ter perdido para uma das melhores seleções contra quem eu já joguei, tivemos até a chance de prosseguir. Foi 0 a 0 no primeiro tempo e nós tínhamos tido a chance de fazer dois gols.
Mas perdemos para um time que era superior.
Folha - Qual foi o jogo que lhe deu mais alegria como técnico?
Zagallo - A conquista do tri, em 70, no jogo contra a Itália.

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