São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OS EUA EM PEDAÇOS

DANIELA FALCÃO
ENVIADA ESPECIAL A CONNECTICUT (EUA)

Peter Brimelow, 47, um inglês naturalizado americano, é o autor do livro mais controverso dos Estados Unidos desde que Richard Herrnstein e Charles Murray escreveram ``A Curva do Sino", no ano passado. O livro de Herrnstein e Murray afirmava que, devido a fatores genéticos, o QI de negros era inferior ao de brancos e asiáticos.
Em seu ``Alien Nation - Common Sense About America's Immigration Disaster" (Nação Estrangeiro - O Senso Comum Sobre o Desastre da Imigração Americana), Brimelow analisa as consequências do Ato de Imigração de 1965, que abriu as fronteiras dos EUA para o mundo (leia-se: Terceiro Mundo). E faz um alerta: ``Se não houver uma restrição imediata à imigração de latino-americanos e asiáticos, num futuro próximo, os EUA deixarão de ser um país de maioria branca".
Segundo Brimelow, nenhum país na história mundial experimentou uma alteração racial tão profunda, em tão pouco tempo. ``Esse é o perigo. Estamos sendo vítimas de uma experiência cujas consequências são imprevisíveis", disse ele, em entrevista exclusiva à Folha.
Sentado na varanda de sua casa em Connecticut, com a filha de 23 dias no colo, Brimelow diz que não se importa em ser chamado de racista. ``Estava preparado. Sabia que seria criticado por intelectuais e pela mídia. Qualquer pessoa que questione a política de imigração hoje é considerada racista. Tudo o que fiz foi colocar no papel o que a maioria dos americanos sente, mas não tem coragem de admitir."
Brimelow argumenta que os Estados Unidos ``sempre foram um país de maioria branca e devem continuar assim". Além de alterar a configuração étnica da sociedade, a chegada de mais hispânicos e asiáticos, segundo ele, colocará em risco a própria existência da nação.
Para o autor, isso aconteceria porque, ao contrário dos europeus que imigraram para os EUA no início do século, latinos e asiáticos têm dificuldade em absorver a ``cultura americana". ``Atualmente, cerca de 2% dos americanos nascidos no país sequer falam inglês. Não existe maior ameaça à integridade de uma nação do que a ausência de uma língua comum. Sem falar nas diferenças de costumes e religião", disse Brimelow.
Para ele, os imigrantes de hoje são diferentes dos europeus porque ``são menos preparados e formam uma minoria visível". Brimelow chama os imigrantes latinos e asiáticos de ``minoria visível", pelo fato de poderem ser identificados pela aparência física. ``Italianos e poloneses que vieram para cá entre 1900-1920 misturaram-se facilmente aos americanos porque tinham características físicas semelhantes. Já um mexicano ou chinês carrega para sempre as diferenças raciais."
Ao longo da entrevista, Brimelow fez várias perguntas sobre o Brasil. ``Conheço muito pouco a história do país, mas gostaria de saber detalhes sobre a sociedade brasileira. Acredito que, como resultado dessa segunda onda de imigração, o povo americano vai passar pelo mesmo processo de transformação vivenciado pelo Brasil há séculos atrás." Um outro livro lançado nos EUA, ``A Próxima Nação Americana", de Michael Lind, embora rejeite que o principal problema americano sejam as diferenças raciais, também afirma que os EUA correm o risco de se ``brasilizar" nos próximos anos se não resolverem o problema das desigualdades sociais (leia texto nesta página).
Brimelow demonstrou interesse especial em saber como o sul do Brasil se integrava com o resto da nação. ``Eles são de maioria branca, descendentes de italianos e alemães, não? Há algum tipo de conflito com o resto da população? Eles são economicamente mais desenvolvidos?", quis saber.
``Tenho a impressão de que, entre todos os latino-americanos, os brasileiros são os que menos emigram. Eles são muito apegados ao país, como os franceses na Europa. Acho isso muito curioso", afirmou Brimelow.

Folha - Em seu livro, o sr. alerta para o ``perigo" de os Estados Unidos deixarem de ser uma nação majoritariamente branca dentro de 50 anos. Por que essa mudança é perigosa?
Peter Brimelow - Pela rapidez com que está acontecendo. Nunca, na história moderna, houve uma transformação racial tão profunda em tão pouco tempo. Os EUA estão sendo laboratório de uma experiência inédita, cujos resultados ninguém pode prever. É muito arriscado.
Folha - O sr. compara a atual onda de imigração à invasão dos bárbaros na Europa. Não há um pouco de exagero?
Brimelow - As pessoas entenderam mal a comparação. Não quis dizer que latinos e asiáticos se comportam como bárbaros. Fiz uma analogia em relação ao volume da imigração, só isso.
Folha - Mas o volume da imigração de hoje também é semelhante à do início do século. E os resultados não foram catastróficos. O país sobreviveu e até ganhou com a vinda dos europeus.
Brimelow - Eu discordo da teoria de que os imigrantes europeus construíram o país. Eles ajudaram, mas não acho que a vinda deles tenha feito muita diferença. Imigração é um luxo e não uma necessidade. E, hoje em dia, os riscos são bem maiores do que os possíveis benefícios.
Folha - O que o sr. propõe, então?
Brimelow - Em primeiro lugar, que se reduza drasticamente o número de imigrantes. Para isso, basta fazermos uma seleção rigorosa, só permitindo a entrada no país de estrangeiros instruídos, no mínimo com o 2º grau completo, e que falem inglês fluentemente. Poderíamos tomar como exemplo o sistema do Canadá, que dá pontos para quesitos como grau de instrução, domínio da língua e assim por diante. Em segundo, reprimindo a imigração ilegal. Esse é um problema muito sério, que não tem sido tratado com atenção.
Folha - Mas isso deixaria de fora a maioria dos imigrantes da América Latina e Ásia.
Brimelow - Melhor assim. Hoje, 15 países do Terceiro Mundo são responsáveis por 90% da imigração para os EUA. Isso está errado. Nós não somos os culpados da explosão populacional dos países subdesenvolvidos. Por que temos que ser os responsáveis pela resolução desses problemas?
Folha - Se tivesse que decidir entre dar visto para um mexicano com doutorado e que falasse inglês com fluência, ou um europeu branco só com 2º grau, quem o sr. escolheria?
Brimelow - Não sei. Prefiro não responder essa pergunta.
Folha - O sr. afirma que os imigrantes de hoje têm mais dificuldade em assimilar a cultura americana do que os europeus do início do século. Por quê?
Brimelow - Porque a língua é muito diferente. A religião e os costumes também. Mas o pior não é a dificuldade natural que latinos e asiáticos têm em se adaptar ao ``american way of life". O que me preocupa mesmo é que não vejo esforço desses imigrantes em se adaptarem.
Folha - Como assim?
Brimelow - Hoje, em várias cidades, fala-se mais espanhol do que inglês. Muitas crianças nascidas nos EUA não dominam o idioma oficial do país. Daqui a pouco, teremos regiões em que o inglês deixará de ser falado. Aliás, isso já está acontecendo em áreas do Texas e da Califórnia, por causa do grande número de imigrantes mexicanos, sobretudo os ilegais.
Folha - O que não significa que os imigrantes não queiram se adaptar.
Brimelow - Isso mostra que eles não precisam, nem estão se esforçando. Grupos de intelectuais americanos defendem que os imigrantes continuem falando em casa sua língua materna para que os filhos não percam os laços com o país de origem dos pais. É um absurdo. Eles se preocupam em preservar uma cultura estrangeira e colocam em risco a nossa própria cultura.
Folha - Vários países têm mais de um idioma como língua oficial e nem por isso deixam de ser uma nação...
Brimelow - E pagam um preço caro por isso. Morei sete anos no Canadá e sei o que estou falando. Manter a unidade num país em que as pessoas falam línguas muito diferentes é difícil e desgastante. Veja o que aconteceu na ex-Iugoslávia, na ex-URSS. Não quero que meus filhos vivam num país fragmentado. Por isso é que precisamos rever a política de imigração.
Folha - O sr. diz que a maioria dos americanos está descontente com a política de imigração. Se isso é verdade, por que o assunto não é discutido?
Brimelow - Porque os americanos sofrem o que eu chamo de ``a vingança de Hitler". Eles ficaram tão obcecados com a idéia de acabar com o racismo, têm tanto medo de repetir o passado, que sentem vergonha até de falar sobre restrições à imigração. Mas há uma insatisfação geral. E eu tive a coragem de expressar esse sentimento.
Folha - O sr. imaginava que o livro fosse causar tanta polêmica?
Brimelow - Para ser sincero, não. Achei que a mídia fosse ignorar meu livro porque eles odeiam quem fala o que eles pensam, mas não têm coragem de admitir.

``Alien Nation - Common Sense About America's Immigration Disaster" foi editado pela Random House e custa US$ 24

Texto Anterior: A universidade minimalista
Próximo Texto: Brasilização x balcanização
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.