São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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Viagem ao tempo dos senhores

SILVIA HUNOLD LARA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O antigo casarão da Fazenda do Resgate, em Bananal, é o ponto de partida para uma fascinante viagem ao século 19.
Começamos visitando o imponente sobrado, acompanhando sua história, conhecendo seu proprietário, o comendador Manoel de Aguiar Vallim, e sua família.
Aos poucos, vamos entrando em contato com outros cafeicultores de Bananal, conhecendo a origem de suas fortunas e as estratégias usadas para conservar ou aumentar a riqueza e a importância de sua gente. Por meio de velhos álbuns de retratos, vislumbramos o modo de vida desta elite local, seus valores e suas memórias.
Ao morrer, em 1878, Vallim possuía quatro fazendas, 650 escravos e uma considerável quantia em títulos de dívida pública. Havia multiplicado por dez a fortuna que recebera de seu pai e era um dos homens mais ricos do Império.
Sem dúvida alguma sua fortuna vinha do trabalho de seus escravos: 60% de seus rendimentos anuais provinham dos 610 alqueires de terras e dos 1.213.700 pés de café cuidados por eles. Para conhecer o esplendor do casarão do Resgate é preciso visitar também suas senzalas.
Nelas, podemos descobrir a importância de outros valores familiares: arranjos conjugais e outros laços de parentesco uniam homens e mulheres de origens diferentes, formando aos poucos uma comunidade escrava. Desde a abolição do tráfico atlântico de escravos, Vallim parece ter-se aproveitado destas estratégias escravas para manter e controlar seu plantel de cativos. Se a estabilidade do plantel lhe proporcionava rendimentos seguros, a comunidade formada pelos cativos também tinha sua força e impunha limites ao poderio do senhor.
Por outro lado, a Guerra Civil nos EUA e a Lei do Ventre Livre no Brasil já anunciavam turbulências no horizonte escravista. Embora a cafeicultura continuasse a ser a atividade mais lucrativa, ao longo dos anos, Vallim foi deixando de investir em terras e escravos, para adquirir títulos, letras, créditos e hipotecas. Preferiu colocar seus lucros em investimentos menos lucrativos para defender-se dos perigos que vinham das senzalas e do fim da escravidão. Talvez tenha aprendido a ser prudente depois dos acontecimentos de 1853, que o marcaram pelo resto da vida.
Naquele ano, Vallim e dois outros grandes fazendeiros da região foram acusados de envolvimento na importação ilegal de africanos. Vários africanos desembarcados clandestinamente no porto de Bracuhy, em Angra dos Reis, foram presos em terras da Fazenda do Resgate. O comendador, então delegado de polícia de Bananal, demitiu-se do cargo e entregou-se à Justiça, conseguindo ser "despronunciado. Mas o caso teve grande repercussão nos jornais, tornou-se exemplo da vontade do governo em realmente acabar com o tráfico atlântico de escravos e foi a causa de Vallim nunca ter conseguido obter o tão cobiçado título de barão.
Para os mais exigentes ficam faltando notas e referências completas; para os poucos habituados a excursões históricas sobram tabelas e algumas questões técnicas. Mas isto é o de menos. Os ensaios que compõem o volume, sérios e bem documentados, revelam personagens e mundos instigantes. Bananal e a Fazenda do Resgate oferecem tanto, que ficamos querendo mais.
O atual proprietário da Fazenda Resgate, adotando uma atitude de primeiro mundo, restaurou o belo sobrado e financiou o trabalho de investigação histórica que resultou neste livro. O mérito de sua iniciativa, tão rara nos dias de hoje, é enorme. E ele bem que poderia pensar em outros modos de continuar esta viagem. Bananal é uma estância turístico-histórica e o sobrado restaurado poderia ser eventualmente aberto à visitação pública, a exemplo do que acontece com diversos edifícios particulares europeus. Ou mesmo editar um livro de fotografias, com os belíssimos interiores do casarão do Resgate. Por que não?

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