São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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A insurgência neonativista

ANDRÉA FORNES
EDITORA DE EXTERIOR E CIÊNCIA

Em resposta à mais nova onda nativista que invade os EUA, o governo planeja erguer barreiras para conter a imigração. O país recebe cerca de 1 milhão de imigrantes legais ao ano, enquanto outros 300 mil cruzam ilegalmente suas fronteiras. A estimativa é de que há 20 milhões de imigrantes em situação legal e mais de 5 milhões ilegais hoje em território norte-americano, números que podem ter sido responsáveis pela insurgência de um movimento xenófobo, ou nativista, como preferem alguns.
Mesmo assim, os Estados Unidos são um dos poucos países que ainda mantêm uma política liberal nessa área, contrariando a linha de ação protecionista adotada por França e Alemanha, por exemplo.
``Enquanto assistimos ao livre movimento de mercadoria e capital com a globalização dos mercados, os países estão se fechando para o trânsito de pessoas", disse à Folha o professor Max J. Castro, da Universidade de Miami.
A Estátua da Liberdade sempre foi considerada a mãe de todos os imigrantes dos EUA, que passavam de barco diante do monumento antes de atracar em Ellis Island (a única porta de entrada para estrangeiros no período de 1892 a 1954). Ela foi oferecida pela França aos norte-americanos no final do século 19 com o propósito de manter vivo o ideal republicano e estreitar os laços de amizade entre os dois países, que compartilhavam esse mesmo ideal.
Assim como a obra ``Liberdade Guiando o Povo", de Delacroix, o monumento deveria simbolizar a liberdade iluminando o mundo, mas acabou se tornando um chamariz para imigrantes por causa da frase ``Dê-me os seus cansados, os seus pobres, as suas massas aglomeradas ansiando por respirar liberdade...", inscrita na base da estátua.
Imigração, e suas consequências para a economia e cultura dos EUA, promete ser um dos temas decisivos das eleições presidenciais do próximo ano e, desde já, tem provocado uma discussão emocional no país. Na história norte-americana, os picos do movimento imigratório coincidiram com o surgimento de um sentimento xenófobo.
As novas vítimas desse movimento antiimigração são os hispânicos (ou latinos, como preferem ser chamados), maior comunidade entre os estrangeiros dos EUA. Por ser numeroso, esse grupo começa a adquirir representação política e a impor o espanhol como segunda língua, depois do inglês, o que muitos norte-americanos tomam como ameaça a sua identidade.
A maior parte dos imigrantes vem de alguns poucos países, entre eles México, China, Filipinas, Vietnã, República Dominicana e Índia, nessa ordem, e se dirigem para poucos Estados. Do total de 904.292 que imigraram legalmente em 1993, 260.090 foram para a Califórnia, 151.209 para Nova York, 67.380 para o Texas, 61.423 para a Flórida e 50.285 se mudaram para Nova Jersey, para mencionar apenas as principais destinações.
O nível de tolerância desses Estados em relação à imigração é inversamente proporcional ao número de estrangeiros que recebem, com exceção de Nova York, um ``melting pot" por excelência, tanto de imigrantes como de migrantes também. A Califórnia, Estado com a maior população estrangeira (21.7%, ou 6.458.825 de um total de 29.760.021 pessoas) é também o que propõe medidas mais drásticas contra imigração.
O debate sobre o tema esquentou no final do ano passado quando Harold Ezell e Alan Nelson apresentaram na Califórnia a proposição 187 que, em linhas gerais, nega acesso à educação e ao serviço de saúde, em caso de emergência, aos imigrantes sem documentação, a maneira politicamente correta de denominar os ilegais.
Aprovada em novembro de 94, a lei só não está em vigor porque um grupo entrou com ação, alegando que uma de suas porções (sobre educação) é inconstitucional. De acordo com a Constituição norte-americana, todas as crianças dos EUA devem ter acesso à educação. Um dos impulsionadores da 187 à época foi o governador Pete Wilson (Califórnia), provável adversário do presidente Bill Clinton na corrida à Presidência em 96.
``Além de não resolver o problema da imigração ilegal nos EUA, a 187 foi o primeiro passo, que pode desencadear violentos conflitos raciais, como os que se vêem hoje na Europa", afirmou José Cornejo, assistente legal para o senador Richard Polanco, de Los Angeles.
Jesus Arredondo, 26, assessor do governador Wilson, concorda que a 187 não oferece os meios para combater ``ilegais", porque não trata de questões como o controle de fronteiras, orçamento do Estado e falsa documentação. "A solução definitiva seria os países de onde vêm esses imigrantes resolverem seus problemas. Acaba sendo conveniente para um país como o México deixar sua população escapar, porque assim se livra das dificuldades", disse.
Após a introdução da proposição 187, a discussão sobre imigrantes veio novamente à tona em maio passado, quando uma comissão (estabelecida por lei em 1990 e liderada por Barbara Jordan), apresentou ao Congresso recomendações para mudanças na política de imigração adotada pelos EUA. Os seus nove membros sugerem restrição à reintegração familiar, uma lei que data de 1965. Atualmente, um imigrante que é cidadão norte-americano pode trazer ao país cônjuge, filhos (crianças e adultos), irmãos e irmãs.
Com as novas medidas, passariam a ser aceitos apenas o cônjuge e os filhos pequenos, limitando as entradas a um total de 400 mil pessoas ao ano, além de 100 mil trabalhadores qualificados e de 50 mil refugiados políticos.
Outros 150 mil vistos seriam oferecidos anualmente aos cônjuges e filhos que já aguardam para serem admitidos. "Com essa recomendação, queremos acabar com a promessa falsa que estava prevista por lei: a de que irmãos e irmãs de imigrantes poderão algum dia entrar nos EUA. Hoje em dia, a lista de espera para essa categoria é de, no mínimo, 14 anos", diz um dos integrantes da comissão de Jordan ouvidos pela Folha, que prefere não se identificar.
"Imigrantes admitidos através de um sistema bem regulado fortalecem os EUA, criando oportunidades econômicas, elevando as fontes de conhecimento científico e cultural, estreitando nossos laços com outros países, honrando compromissos humanitários e apoiando laços e valores familiares, necessários para construir comunidades fortes", disse Jordan, ao apresentar as recomendações. "Nossa tradição em imigração demonstra para o mundo que diversidades religiosas e étnicas são compatíveis com uma unidade cívica nacional num país livre e democrático".
Devido a essa "tradição em imigração", os EUA se orgulham em exibir uma lista de célebres imigrantes, que vai da japonesa Yoko Ono, viúva de John Lennon, ao polonês John Shalikashvili, chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos EUA, passando pelo austríaco Arnold Schwarzenegger, ator, e pela tcheca Madeleine Albright, embaixadora dos EUA junto à ONU.
Mesmo com uma relação de nomes como essa, há nos EUA quem assegure que o país não necessita de imigrantes. É o caso da Federação para Reforma da Imigração Americana (Fair, a partir das iniciais em inglês), que quer o fechamento total das fronteiras norte-americanas. "Para que importar pobres e analfabetos, se o país não enfrenta escassez de mão-de-obra nem necessita de forasteiros para expandir suas fronteiras?", perguntou Scipio Garling, 32, diretor do setor de pesquisa e publicações da Fair (leia mais sobre a organização à pág. 5-8).
Em seu polêmico livro, "Alien Nation" (Nação Estrangeira), o jornalista Peter Brimelow -ele mesmo um imigrante inglês-, afirma que a imigração não traz benefício econômico algum aos EUA, portanto, não é necessária.
Para o autor, a imigração "é um fenômeno muito maior, menos qualificado e mais divergente da maioria americana do que qualquer coisa que foi antecipada ou desejada, vem acompanhado de consequências negativas para o ambiente físico e político e está trazendo transformação racial e étnica aos EUA ainda sem precedentes na história mundial recente, um impressionante experimento social, criado sem razão para ser bem-sucedido". O fenômeno da imigração em massa, na opinião de Brimelow, pode fazer dos EUA um "país estrangeiro".
Ou transformar este em um outro país, como sugere Michael Lind em seu livro "The Next American Nation" ("A Próxima Nação Americana"). Segundo ele, os EUA estariam sofrendo um processo de "brasilização", com a ampliação do abismo entre a elite branca e o restante da população, de baixa renda e multicultural. "O principal perigo dos EUA no século 21 não é a balcanização, mas o que podemos chamar de brasilização, ou seja, não a separação de culturas pela raça, mas a separação de raças pela classe".

A jornalista ANDRÉA FORNES viajou aos EUA a convite do governo norte-americano

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