São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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Gato democrata enfrenta cadela republicana

DA "THE NEW REPUBLIC"

Leader, o cinzento schnauzer pertencente a Bob Dole (senador republicano), é um importante animal de estimação político. Foi um presente da mulher para Dole, no momento da breve ascensão política dele como líder da maioria em 1984: daí seu nome ("líder).
O momento oportuno do presente talvez indique o visão de Dole diante de sua profissão. Recentemente ele parafraseou a cínica opinião de Harry Truman: "Se quiser um amigo na política, tenha um cachorro". Ao ouvir o aforismo de Truman, Clinton refletiu que teria sido melhor saber disso antes de ter um gato castrado.
A imprensa ironizou: Socks é provavelmente o único macho na Casa Branca sem os órgãos masculinos ou energia sexual. De qualquer forma, a presença de um casto "primeiro-gato" deve tranquilizar alguns dos formadores de imagens do presidente.
Socks ficou famoso. Como Clinton, teve um ano ruim em 1994. Houve até menção a suicídio quando subiu numa árvore e quase se estrangulou na sua coleira.
Mas parece que ele voltou revigorado. No boletim de dezembro endereçado ao seu fã-clube, Socks critica sua predecessora republicana, exibindo o pior tipo de inveja: ``Dizem que ela escreveu um livro que foi um sucesso. De jeito nenhum. Quero dizer, cachorros são bobos. Perseguem esquilos nos gramados. Que imbecil!"
A inveja de Socks parece ainda mais cega ou hipócrita, uma vez que ele mesmo, segundo a imprensa, persegue pássaros nas árvores.
Não há nada de surpreendente em Socks sentir ciúmes de Millie, que conquistou um imenso sucesso literário. Em "Millie's Book", ("O Livro de Millie"), Barbara Bush descreve as travessuras de sua spaniel. As reflexões de Millie sobre a vida na Casa Branca ganharam milhares de dólares, enviados para as obras de caridade.
O ataque de Socks a Millie se iguala em ferocidade ao ataque diante de sua subserviência. De fato, há certos tipos de cães republicanos cujas qualidades essenciais parecem ligadas à obediência e subordinação aos donos, diante dos quais estão dispostos a abrir mão de tudo -é o caso de Millie.
Kathleen Kete, no ``The Beast in the Boudoir" (algo como "A Fera na Penteadeira), cita um epíteto para um cachorro: "Poder-se-ia pensar que ele era humano, mas... ele era fiel". Seguindo a mesma linha de pensamento, cita a famosa máxima de Pascal: "Quanto mais conheço as pessoas, mais amo meu cão. A lealdade canina é a base de sua moral e o um velho estereótipo na literatura.
Animais de estimação, com frequência, transformam a casa num lar, criam a sensação de ser uma família. Especialmente se há apenas o dono e seu cachorro.
Cinismo, de "cunis", a palavra grega para cão, referia-se originalmente aos filósofos pós-platônicos, como Diógenes Laertes, que adotou uma atitude parecida com a de um cão diante da vida.
A filosofia do cinismo era uma espécie da platonismo fanático. Acreditava com tamanho fervor na realidade e beleza do ideal platônico, da idéia pura cuja realidade para Platão era absoluta e universal, que o mundo, em comparação, era um apanhado de impurezas, valioso apenas em cães.
Cínicos são muitas vezes acusados de não terem valores, mas são justamente cínicos porque têm o mais elevado e absoluto ideal.
Um dos mais interessantes acontecimentos na recente história dos animais de estimação aconteceu quando uma revista insultou a beleza de Millie. Chamou-a de "o cachorro mais feio de Washington" (e Barbara Bush concordou).
Ao seu socorro, acorreu Leader, que denunciou o ataque como "afronta a todos os cachorros".
A complexa personificação de cachorros políticos reflete o grau em que animais são humanizados. Para os gregos, era extremamente importante distinguir a pessoa do animal. Desde Aristóteles, os seres humanos eram absolutamente distintos e superiores.
Isso nos dava poder de vida e morte eles. Os idealistas alemães, de Kant a Heidegger, promoveram um tratamento melhor dos animais e os colocaram acima das pedras e plantas.
No outro extremo, e muito recentemente, surgiram os radicais humanistas, que consideram que há apenas uma diferença de grau entre os animais e os humanos, em que animais estão num patamar mais elevado que os humanos.
Ao humanizar animais de estimação, encoraja-se o fim da distinção entre humanos e animais, o que pode levar, como já levou, às piores formas de biologismo, racismo ou naturalismo.
Millie Bush provoca a mesma reação quando, no livro, relata com incrível sangue-frio, seus assassinatos em série: ``Quatro esquilos, três ratos, e para tristeza de Barbara, uma pomba". Se os animais têm inimigos naturais, por que seríamos diferentes?
É preciso parar de humanizar os animais porque existe o risco de dar atributos seus aos humanos. Deve-se resistir à humanização dos animais nas lojas.
Tal atitude, muitas vezes, é também encorajada por veterinários, que provavelmente estão apenas reagindo aos desejos de seus clientes. A mobilização de recursos médicos e gastos cirúrgicos não deve ser encorajada, nem os cemitérios para os animais.
Um cachorro deve morrer como um cachorro, não cruelmente, mas com respeito, e sem o acompanhamento dos rituais de luto dos humanos. Quanto aos gatos, que dizem ter sete vidas, perder uma delas não é uma catástrofe.

Tradução de Lise Aron

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