São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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e o boy virou banqueiro

COSETTE ALVES

Estava curiosa, era a primeira vez que entrevistava um banqueiro. Ele falou abertamente. É um banqueiro à procura de um autor.
Luiz Cezar Fernandes chegou à minha casa às 16h de uma terça-feira. Vestia terno azul escuro em risca-de-giz bem cortado, camisa branca e gravata discreta.
A mulher, Cecília, é quem escolhe e compra suas roupas. Ele não faz muito caso para o que vai vestir -o que, na minha opinião, o torna um homem elegante. Relógio na mão direita, 1,70 m de altura e daltônico. Andar calmo e firme. Voz suave. Olhar profundo e um tanto longínquo, porém atento. Se diz um decifrador de pessoas, combina racionalidade e intuição. Raramente se engana com a primeira impressão. Considera o seu maior talento o de ser um caça-talentos, seja para o banco, seja para os outros negócios.

Humor no patrimônio
Não é um homem alegre ou de riso fácil mas, na conversa, muitas vezes sorria e apresentava um delicioso senso de humor. Homens de sua profissão raramente conservam o humor, pois se levam muito a sério. Consequência: apesar do dinheiro que acumulam, viram pessoas desinteressantes e pouco atraentes.
Apesar de não ter cotação na bolsa, o senso de humor é patrimônio valioso. Não tem preço -a procura é maior que a oferta.
Uma barba já grisalha emoldura um rosto simpático. E jovem. Duas características físicas me chamaram atenção. A vasta cabeleira que, apesar de branca, conserva o brilho e a vitalidade e lembra a de um menino rebelde. Durante a entrevista, tentava várias vezes alinhar os cabelos, que pareciam fugir ao seu comando e me revelaram os sofrimentos por que passou -lembrados por ele sem emoção. Cabelos falantes.
A outra característica marcante são as bordas das palmas das mãos. Rosadas, quase vermelhas. Mãos marcadas pela luta da sobrevivência, de movimentos precisos. Mãos de trabalhador ou de banqueiro? O primeiro capítulo da vida de Luiz Cezar está impresso nas linhas de suas mãos e nos fios de seus cabelos.

CAPÍTULO UM
Nasceu em Santa Rita de Passa Quatro. Família de sete irmãos e uma prima. Sua infância foi "um pouco um conto de fadas. Paulista de 400 anos, acostumou-se à opulência de Natais fartos e árvores repletas de presentes. Mais tarde, percebeu que os pais "fizeram loucura dando aos filhos uma vida que não podiam manter.
Por conta disso, foram sendo "expulsos da cidade. "Morávamos em Pinheiros e mudamos para perto do Banespa, em Santo Amaro. De lá fomos para Itapecerica da Serra. Íamos para longe, para tentar manter o sonho de meus pais: dar aos filhos uma vida irreal.
Aos 7, foi interno em um seminário em Botucatu, queria ser padre. Saiu aos 9. Foi educado em um sistema duro. Seu pai (já falecido) era severíssimo. Com seus filhos, Luiz Cezar faz o contrário. Quer que eles se sintam amados, mas livres.

Festa do cabide
Não aguentou a educação rígida e saiu de casa aos 13. Ingênuo, foi convidado por uma amiga para ajudá-la a organizar uma festa do cabide. Não sabia o que era. "Só soube na hora. Chegando em casa, meu pai ameaçou me bater. Falei -agora você não me bate mais. Já era maior que ele. Meu pai disse que enquanto eu morasse lá ele me bateria. Fui embora. Só o vi novamente morto.
Apesar do rompimento dramático com a família, Luiz Cezar admite que só aguentou a luta por conta da sólida base que recebeu dos pais.
Ao sair de casa, descobriu o que era a privação. Foi morar com uma amiga mais velha (de 18 anos) "que tinha uma profissão de hábitos noturnos. Muitas vezes, o garoto dormia na escada, até que a moça terminasse as suas "tarefas. Não tinha dinheiro para comer. Para sobreviver, abandonou os estudos.
Entrou no Bradesco aos 14. O banco pagava almoço para quem trabalhasse o dia inteiro, e o jantar, para quem trabalhasse à noite. Luiz Cezar trabalhava da manhã à noite para garantir a alimentação. Ganhava "salário mínimo de menor, metade de um salário mínimo. Depois, foi para o Rio. Morava em Botafogo e trabalhava no centro. Sem dinheiro para ônibus, ia e voltava a pé.
A relação com a mãe e a família foi ficando cada vez mais distante. Aprendeu a viver sozinho. Jogou-se na vida e pagou caro pela liberdade.
Adolescente solto no mundo, poderia ter escorregado por um caminho escuro. Virou um dos banqueiros mais bem-sucedidos no país. Sorte, determinação? Ou, como diria Freud, será que quando nasceu sua fada boa chegou antes da bruxa má?
Casou-se três vezes. Há oito anos é casado com Cecília. Tem três filhos e dois netos.
Apesar do que passou, não se recorda de sofrimentos e se sente privilegiado. "Fiz tudo da maneira que gostava. Trabalhou em organizações que saíram do zero e são líderes, como o Bradesco e o Garantia (um dos seus concorrentes).
Sua vida mudou substancialmente mas sua maneira de ser não. O desafio do novo é que o faz ir para a frente. Não gosta que o chamem de senhor ou doutor. Não é formal nem pontual, detesta fricotes.

CAPÍTULO DOIS
Nossa conversa continuou cinco dias depois, na sede do Pactual, Rio de Janeiro, em uma das salas aonde os clientes são recebidos. Sem paletó, parecia à vontade recostado na cadeira com aquela vagueza no olhar, porém atento e fumando cachimbo -fumo inglês Dunhill. Continuamos a falar como se a conversa não tivesse sido interrompida.
Ele não se tornou banqueiro por circunstância, mas por determinação. Corria, para entregar cartas, no quadrilátero que ia da avenida Paulista até a rua Estados Unidos e da Brigadeiro Luís Antonio até a Nove de Julho, em São Paulo. Subidas e descidas e, mesmo com 14 anos, não aguentou mais. Sonhou mudar de vida e se tornar diretor de banco.
Um bondoso gerente administrativo do Bradesco, Wilson Martinez, talvez tenha intuído que atrás da vontade do menino pobre havia um grande potencial. Prometeu ensinar-lhe tudo sobre banco, desde que ele se comprometesse a aprender.
Os dois trabalhavam até 20 horas por dia. A ajuda de Martinez foi fundamental. Mais uma vez, determinação, sorte e principalmente indignação com a situação de sua vida lançaram Luiz Cezar em outra etapa de desenvolvimento.
Trabalha há 36 anos. No Bradesco, depois de dez anos era gerente administrativo. No Garantia foi microacionista. Mas o desafio maior foi presidir um grupo de notáveis, o

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