São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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O x do câmbio

JOSUÉ MACHADO

O título do editorial sobre o milagre do câmbio fixado favoravelmente ao real frente ao dólar foi o seguinte: "Câmbio extático". Assim, com "x de xaxado".
Como o testo, digo, texto, tratava da fixação da imobilidade do câmbio, da âncora que mantém o real gloriosamente valorizado, podia-se pensar em "câmbio estático", com "s" de sesso (nádegas). Estático significa imóvel como estátua, hirto, sem movimento, como a Justiça nativa às vezes parece estar em alguns casos, menos naqueles em que constrói palácios como sede. O adjetivo estático vem do grego "statikòs". E estase (tá) é paralisia, entorpecimento, estagnação do sangue. Também do grego "stasis", de "hístemi", parar, como qualquer dicionário etimológico anuncia.
Ou o redator quis dizer mesmo "extático"? Extático significa em êxtase, absorto, arroubado, admirado, surpreso. Estaria de fato o câmbio extático, perplexo com as liberdades que tomaram com ele, fazendo o dólar, curvar-se, ajoelhar-se, arrastar-se diante do real? Pode ser até que houvesse a indicação de êxtase orgástico (de orgasmo) com a habilidade das autoridades econômicas. Será? Êxtase vem do grego "ékstasis", pelo latim "extasis" de "ex" (fora) e "stare" (estado). Daí o adjetivo extático, do grego "ekstaticòs", se é que isso interessa a alguém, claro que não.
Outra possibilidade: talvez o computador tenha se distraído ou sabotado a obra cambial, obviamente estática, enfiando ali um "x" comprometedor no lugar do inespressivo, epa!, inexpressivo e sinuoso "s". Portanto, salvo melhor juízo, como diria o deputado Roberto Campos, o título deveria ser "Câmbio estático.

Paralamas ou Pára-lamas?
Muita gente pensou que o procurador-geral da Câmara, deputado Bonifácio de Andrada (PTB-MG), estava preocupado com a menção desairosa de "picaretas" a parte dos congressistas pelo grupo "Paralamas". Engano que ele não fez questão de desfazer para não ser chamado de purista da língua e não se sentir ridículo.
Sabe-se agora que ele utilizou o rap "Luís Inácio" (300 picaretas), feito com base em notícias de jornais sobre as estripulias do pessoal do Congresso, como pretexto para manifestar seu desagrado com o nome do grupo. O dr. Bonifácio acha o nome "Paralamas" um desrespeito à gramática: irrita-se com o fato de terem escrito errado o nome composto pára-lamas. Pois pára-lamas se escreve assim, com hífen e acento na forma verbal "pára", de parar, plural de pára-lama. Coisa que Herbert Vianna, o autor do rap "Luís Inácio (300 picaretas), e patota ignoraram para batizar o conjunto "Paralamas". Como sabe que o Lula exagerou e que não há nenhum picareta no Congresso, o deputado nem se preocupou com isso.
A palavra picareta, com sentido diferente do de ferramenta, aparentemente surgiu na publicidade para indicar o cavador de anúncios inescrupuloso; daí, pessoa sem escrúpulos, negociante duvidoso, sujeito safado, ardiloso; criatura que usa de expedientes ou embustes para alcançar favores. Logo se vê que a palavra é forte demais para designar representantes do povo, por definição, incapazes de usar embustes ou expedientes para alcançar favores ou votar em quem dá mais.
O que preocupou o deputado Bonifácio de Andrade, com muita razão, foi ver o nome da Câmara e de seus, na maioria, valorosos componentes evocado por um grupo de nome gramaticalmente errado.
"Que mau exemplo para as crianças!, terá pensado o ínclito descendente do Patriarca da Independência. Os ossos de José Bonifácio de Andrada e Silva devem ter trepidado de alegria na tumba com a providência de seu zeloso descendente.
Poste escrito: A informação surpreendente contida nesta coluna em 10 de julho passado de que "todo brasileiro têm estômago com as mesmas necessidades", em que o "tem" aparece acentuado, constitui evidente sabotagem do computador. É claro que na terceira pessoa do singular do presente do indicativo o verbo "ter", referente a "todo brasileiro", não é acentuado e sim na terceira do plural. O "tem" seria acentuado numa oração reveladora como a seguinte: "Todos os brasileiros têm estômago igual."

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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