São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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Motoboys vivem em velocidade máxima

ANTONINA LEMOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A rotina do motoqueiro W.0, 22, é a mesma há quatro anos. Ele chega ao trabalho, na Barra Funda (zona oeste) às 8h. O trajeto de sua casa, em Vila Formosa (zona leste) é feito em uma hora. Ele pega dois ônibus.
Depois de chegar ao trabalho, W.O sobe em uma moto Honda CG 125. Em uma hora, já percorreu cinco bairros da cidade.
O garoto trabalha como motoboy, fazendo entregas. Só na parte da manhã faz 12 trabalhos. ``Às vezes, tenho dez minutos para cruzar a cidade", diz.
A velocidade em que W. anda por São Paulo é máxima -até 100 km por hora. Ele não respeita sinais de trânsito, anda na contramão e sobe em calçadas. Tudo para ser pontual. E também por desejo de aventura.
W. é um cachorro louco. A gíria foi criada nas ruas de São Paulo para designar os motoqueiros mais irresponsáveis.
Cachorro louco que se preze arranca espelhos retrovisores de carros, chama no peito (empina), faz pipocos (acelera a moto até fazer barulho de estouros) e, é claro, tira racha.
Os rachas são mania entre os motoboys. ``É a maneira de a gente se divertir", diz S.J, 18. Os rachas acontecem, no meio do trânsito, geralmente entre dois motoboys ``rivais".
A rivalidade é semelhante às brigas de torcidas. Alguns são considerados inimigos e ponto. Só que, nesse caso, não é a camiseta que conta. É a empresa.
A Barra Funda, por exemplo, tem três grandes empresas de entregas. Todas, no dia-a-dia dos motoqueiros, são consideradas ``território de inimigos". Se um pára ao lado do outro no semáforo, é racha na certa.
E ai de quem ficar para trás. ``Ninguém gosta de ser perdedor", diz A.S, 18.
A. já perdeu várias coisas. Diz que tem ``profissão". Já trabalhou como escriturário e desenhista. Até que teve que servir o Exército. ``Quando saí de lá não arranjei outro emprego e parei aqui", diz, olhando para a 125.
Nos finais de semana, mais moto. A. pega uma cabrita (moto) emprestada de um amigo e vai fazer racha.
A moto que usa para trabalhar ele devolve todos os dias. Vai para casa de ônibus. ``Acham que a gente vai roubar a moto."
A., segundo os motoqueiros experientes, vai deixar de ser cachorro louco. Segundo eles, com o tempo e a experiência, o motoboy fica mais responsável.
``Esses garotos que acabaram de tirar carta só querem adrenalina", diz Daniel Barbosa, 40, dono da empresa de entregas Motolazer e motoqueiro há oito anos.
A responsabilidade, muitas vezes, vem depois de tombos ou amigos mortos no asfalto.
Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo), cem motoqueiros morreram em acidentes ano passado. Uma das conclusões é que o cachorros loucos são a maioria.
Max Ernani de Paula, analista de segurança da CET, alerta: ``Cruzando dados concluímos que os entregadores são os que mais morrem no trânsito", diz.
Os motoboys sabem que correm perigo e convivem com o medo. O que não quer dizer que eles ``medrem" em na hora dos rachas no trânsito.
``Quando levo um tombo fico um tempo sem rachar. Depois volto", diz C.M, 21.
Muitos bauzeiros consideram a profissão um vício. ``Depois que você entra não consegue mais sair", diz Francisco da Silva, 23, quatro anos de profissão.
Nem todos pensam assim. ``Preferiria trabalhar em escritório, na rua você arrisca e nunca sabe se vai voltar para casa inteiro", diz Ivan Bezerra, 22.
Ivan trabalha com sua própria moto. É prestador de serviço. Por isso, não tem direito a benefícios trabalhistas, como férias, 13º salário e fundo de garantia.
A maioria dos garotos que viram motoboys, ou perderam o emprego, ou eram office boys.
``Era office boy. Ser motoqueiro é melhor porque você não tem que andar a pé e ganha mais", diz Ricardo Duarte, 22.
Segundo ele, passar de boy a motoqueiro é considerada uma ascensão profissional. ``Todo boy tem inveja de motoqueiro."

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