São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
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Pornografia e canastrice

MARIA ERCILIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Marty está ficando famoso. Até algumas semanas atrás, ele era apenas o autor do estudo ``Marketing Pornography on the Information Highway" (Promovendo a pornografia na supervia da informação), que serviu de pretexto para a capa da ``Time" de 26 de junho, intitulada ``Cyberporn".
Agora descobre-se -deu na newsletter ``Cyberware Dispatch", publicada na Internet- que Martin Rimm escreveu também um livrinho chamado ``O Livro do Pornógrafo: como explorar mulheres, tapear homens e fazer um monte de dinheiro", com os mesmos dados obtidos em sua pesquisa financiada pela Carnegie Mellon University.
Parece que Rimm também usou o programa de análise empregado em sua pesquisa para obter a confiança dos administradores dos BBS ``adultos", ensinando-os a catalogar sua mercadoria. Para completar, os administradores sequer sabiam que seus dados foram utilizados num trabalho acadêmico.
Incrível. A mesma pessoa obtém financiamento para uma pesquisa universitária, usa sua ferramenta de trabalho como instrumento de barganha junto aos pesquisados, escreve um livro de marketing com os dados da pesquisa e de quebra serve de gancho para uma capa da ``Time". É o que se chama de ``media hack" na Internet (armação ou golpe de mídia).
Tem mais: parte enorme do material analisado vinha de BBS para adultos, e não da Internet. Esses BBS cobram assinaturas, exigem comprovante de maioridade, e são sistemas fechados. Não estão ameaçando criancinhas, e não são a Internet.
Outra parte do material vinha exclusivamente dos grupos de troca de imagens da Usenet, que compõem uma parcela relativamente pequena do total da rede.
Mais enviesado impossível. E no entanto essa pesquisa foi apresentada como rigorosa, reveladora e exaustiva, justamente enquanto o Congresso americano discutia uma emenda contra a ``indecência" na Internet.
Qualquer mortal com um pingo de bom senso e um mínimo de horas de vôo na Internet olharia a reportagem da ``Time" e o estudo de Rimm com desconfiança. Mas o trabalho minucioso para fazer picadinho da pesquisa que está sendo feito em tudo quanto é canto da rede é mais interessante que qualquer especulação sobre Sodomas digitais.
Durante toda a semana passada, esbarrei em protestos, análises e críticas a Rimm e à ``Time" na Internet. Descontado o bairrismo e a tendência à hipersensibilidade da comunidade interneteira, a reação foi muito rápida e organizada. A HotWired (http://www.hotwired.com) publicou um artigo contra a ``Time", outro contra a pesquisa, e ligações para vários assuntos relacionados.
O próprio Rimm colocou a íntegra da pesquisa, com rodapé e tudo, em sua página na Web (http://TRFN.pgh.pa.us). Procurando um pouco mais, acha-se também a página de Philip Elmer-Dewitt, autor da reportagem da ``Time".
O episódio acaba sendo mais fascinante como fenômeno de mídia. Dá para ver como a propagação de informação pode ser rápida na Internet, e como se organiza de forma cada vez mais acessível. Por outro lado, há uma tendência à hiper-acumulação. A essas alturas, o que se pode encontrar sobre Martin Rimm na rede deve equivaler a uns 50 exemplares da ``Time".
É uma história onde todos os atores são um pouco canastrões. Os interneteiros só pensam em seus direitos. Gastam mais energia com questões da própria rede que com qualquer outra coisa.
A imprensa promove a comunicação digital como uma panacéia ou um pesadelo gótico, conforme a semana.
E Martin Rimm, é claro, leva o troféu canastrão. Olha o estilo dele, em sua ``pesquisa": ``Homens de considerável inteligência prestaram homenagem ao Marquês de Sade, admirando sua imaginação demente e sem rival. Mas dois séculos de inovações tecnológicas se passaram antes que surgisse o AA BBS, uma versão high-tech dos `120 Dias de Sodoma'." Pobre Sade.

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