São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 1995
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Ainda há muito chão

JOSÉ SARNEY

Poucos políticos brasileiros têm apoiado tanto o Plano Real, acreditado, desejado o seu êxito, quanto eu. Tenho deveres para com o Brasil e estou liberto das tentações que fazem as visões individualistas e as paixões partidárias chocarem-se com os espaços comuns do bem público, construindo glórias sobre os escombros do fracasso dos outros.
Considero o presidente Fernando Henrique um homem preparado para comandar este período, com a marca do político e do intelectual, o humanista, aquele que vê a floresta e não a árvore. Sua missão transcende a ambição de arrebanhador de prosélitos.
Estou, todavia, preocupado com alguns movimentos que começam a surgir, de caráter casuístico e desestabilizador, frutos de uma visão menor do período difícil que atravessamos. É verdade que o mundo mudou, e isso possibilita ao Brasil ter um caminho mais fácil. Não se pense, no entanto, que chegamos ao estado de santidade.
A grande novidade que tem assegurado ao governo condições de equacionar problemas e encaminhar soluções não é o brilhantismo técnico de alguns homens de talento que integram a administração pública, até mesmo porque se trata basicamente da mesma equipe técnica que operou a área econômica em vários governos. A grande novidade foi a capacidade do presidente de operar uma base política que lhe assegurou governabilidade. Nesse conjunto está como base fundamental o Congresso Nacional, com sua nova postura, eficiência e consciência moral de seus deveres.
Nesse quadro, na esteira da governabilidade, surgem movimentos com vistas à fundação de novo partido de sustentação ao governo, cooptando, pelos argumentos das vantagens do poder, quadros políticos.
Isso é um erro, é um desserviço ao país, ao governo, porque destruirá a base de governabilidade que lhe está dando condições de tomar decisões. Voltaremos ao caos partidário e à desintegração dos partidos, que já estão fragmentados.
O conselheiro do presidente nesse setor é um mau conselheiro. Retornaremos ao sistema antigo, de apenas apoiar o governo nas medidas provisórias, instrumento mais retrógrado de nossa recente história política, porque é o governo de um homem só, fazendo leis que obrigam toda a nação. Isso representa darmos um passo atrás. O governo democrático é o governo das leis e não dos homens.
A hora é de buscar áreas de consenso entre todos, sem distinção, e não movimentos de esfacelamento, na suposição de que isso dá força e oferece resistência a pressões de aliados.
O essencial é resolver os desafios que aí estão, prioritários, e construir apoios para decisões. Afinal, os problemas de câmbio, da diminuição das atividades econômicas, do desemprego, dos corporativismos, da falência dos Estados, não dão margem a achar que a guerra está ganha e que é hora de selecionar os herdeiros do morgado.

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