São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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TV afasta repórter identificado com governo

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

A Rede Globo não quer mais que o jornalista Alexandre Garcia faça reportagens no Palácio do Planalto porque considera que ele está identificado com ``a imagem de uma espécie de porta-voz do governo".
A afirmação é de Roberto Irineu Marinho, vice-presidente executivo da emissora, que concedeu entrevista à Folha, por fax, na última sexta-feira.
Três dias antes, a Globo decidiu afastar Garcia da cobertura do Planalto, da qual fora responsável por oito anos. A rede resolveu, também, que ele deixará a direção de jornalismo em Brasília.
Marcelo Amorim Netto, que presidiu a Radiobrás durante o governo Collor, assumirá o cargo.
Em 1979, Garcia foi subsecretário de Comunicação do presidente João Baptista Figueiredo.
No último dia 11, a TV fez outra importante reformulação. Demitiu Alberico de Sousa Cruz, diretor da Central Globo de Jornalismo. Evandro Carlos de Andrade o substituiu -após 23 anos à frente do jornal ``O Globo".

Folha - Por que Alberico de Sousa Cruz foi demitido?
Roberto Irineu Marinho - O trabalho executado por Evandro Carlos de Andrade em ``O Globo" nos deu certeza de que, na televisão, ele será capaz de levar a cabo, com sucesso, os nossos projetos relativos ao jornalismo.
Não tínhamos a mesma garantia quanto a Alberico de Sousa Cruz, porque se percebia a dificuldade de ele se ajustar aos propósitos do nosso planejamento estratégico. Ele nunca se entusiasmou com isso. E, nos últimos tempos, a qualidade geral do jornalismo não vinha nos satisfazendo.
Folha - Nos corredores da Globo, comenta-se que Sousa Cruz foi demitido por fazer uso político de seu cargo. O que o sr. diz sobre isso?
Marinho - Entendo que todo diretor de central da Globo deve voltar-se obsessivamente para a própria empresa, mas mantendo o relacionamento externo necessário ao cumprimento de sua missão. Não reconheço a menor procedência em qualquer acusação de uso político do cargo por Alberico.
Folha - Outro comentário comum na Globo é o de que Sousa Cruz caiu porque autorizou a divulgação pelo ``Jornal Nacional" de nota em que um obscuro instituto catarinense pedia o impeachment de FHC.
Marinho - A nota nos aborreceu. Foi um lastimável erro de avaliação, o que em televisão pode causar efeitos especialmente danosos. Tratava-se de episódio irrelevante e que de modo algum mereceria entrar no ``Jornal Nacional". Insisto, porém, que a demissão de Alberico não decorreu de qualquer episódio isolado.
A demissão, na verdade, foi o desfecho de um processo relativamente demorado, já que desde novembro do ano passado eu e o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente de Operações) vínhamos concordando sobre a qualidade insatisfatória do jornalismo da Globo.
Folha - Por que Alexandre Garcia não cobre mais o Palácio do Planalto e por que deixou o comando do jornalismo em Brasília?
Marinho - Alexandre Garcia é e continuará a ser um dos nossos mais expressivos homens de vídeo. Como diretor de jornalismo da Globo em Brasília, no entanto, ele não dispunha do tempo necessário, devido ao acúmulo de atribuições, para comandar a equipe.
Por outro lado, não há como negar que, até como resultado do seu acesso às fontes palacianas, o Alexandre acabou sendo onerado pela imagem de uma espécie de porta-voz do governo, o que seguramente não atende aos objetivos de qualquer jornalista zeloso de ter reconhecida a sua isenção.
Por esse motivo, ele ficará afastado por uns tempos da divulgação de qualquer notícia originária do governo.
Folha - Com a saída de Sousa Cruz, a direção de jornalismo responderá apenas ao sr. Antes, estava submetida também a Boni. Parece que ele perdeu poder.
Marinho - O Boni é o mais importante executivo da Globo. É e continuará a ser. Trata-se de um profissional extraordinário, único, e eu tenho por ele uma amizade muito grande, além de admiração.
Quanto ao alcance da sua autoridade, ela igualmente está intocada. Se o jornalismo passa a responder diretamente a mim, isso em nada altera a situação de fato, que sempre foi assim.
O objetivo da medida foi evitar que, de uma indefinição formal, resultassem ambiguidades de operação, danosas para o cumprimento dos nossos objetivos. Mas essas ambiguidades nunca foram do Boni nem minhas. Serviam às vezes para uma espécie de jogo de empurra, que não mais terá campo para existir.
Além de tudo, quero testemunhar que o Evandro Carlos de Andrade era o candidato do Boni para o posto desde antes da designação do Alberico. E o Boni continuará a interferir da mesmíssima maneira que sempre interferiu, com seus conselhos invariavelmente lúcidos.
Folha - Evandro Carlos de Andrade já declarou que, entre as metas do novo jornalismo da Rede Globo, estão ``a desvinculação de partidos e ideologias, a independência face a todo tipo de poder e o espaço equânime para todos os lados confrontantes de qualquer questão". Essas metas não vinham sendo alcançadas anteriormente?
Marinho - Essas sempre foram nossas metas. Conseguimos realizá-las, às vezes com mais, às vezes com menos sucesso. Não me ocorrem exemplos da situação que desejamos mudar, mas eu tenho certeza que a mudança logo será percebida por todos.
Folha - No mês passado, uma minissérie jornalística da Globo (``Contagem Regressiva") tratou o regime militar que se iniciou em 1964 de maneira surpreendentemente crítica. Usou um tom que, até então, os programas da emissora não empregavam. A Globo está aproveitando a comemoração dos seus 30 anos para promover um ``revisionismo histórico"?
Marinho - A Globo não está realizando revisionismo histórico algum e se sente plenamente confortável e orgulhosa em face do seu passado.
Quanto à minissérie ``Contagem Regressiva", ela nos desagradou. Ao se limitar a condenar o regime autoritário, omitiu as grandes conquistas daquele período.
O que queríamos era que, a par da condenação aos males do regime, a começar pelo da opressão, pela perda da liberdade, se reconhecessem também os grandes feitos da época, e isso foi silenciado, com prejuízo para a isenção que exigimos em todo trabalho jornalístico. Eu reclamei disso em telefonema ao Alberico.
Folha - Junto aos chamados formadores de opinião (imprensa, intelectuais etc.), a imagem da Globo nunca foi das melhores. Sempre se acusou a emissora de cultivar laços demasiadamente estreitos com o governo. As reformulações no jornalismo são uma das estratégias da emissora para modificar essa imagem?
Marinho - Quem faz a nossa imagem verdadeira é o público ao qual nos dirigimos, único juiz legítimo do nosso trabalho e a cuja satisfação estamos totalmente dedicados.
Também estamos atentos aos ``formadores de opinião", mas é importante separar os verdadeiros dos divulgadores de boatos, de mentiras inventadas em redações, sempre com o propósito de tumultuar a vida interna da Globo.
Os motivos não são difíceis de reconhecer, quando se sabe dos despeitos de que se deixam possuir tantas pessoas em face ao êxito de outrem -e o êxito da Globo certamente incomoda muitos.
Não estamos minimamente preocupados com esse tipo de ``imagem" formada contra a evidência e sustentada pelo rancor. Nossa única e permanente preocupação é melhorar a cada dia a qualidade do nosso trabalho, em busca da excelência.

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