São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Princípios para o regime automotivo do Mercosul

JOSÉ ROBERTO FERRO

A crise artificial criada entre os governos do Brasil e da Argentina, gerada pelas medidas provisórias do Brasil para conter as importações de veículos, pode ajudar a acelerar as definições urgentes sobre o regime automotivo comum para o Mercosul. Esse setor, pela sua relevância econômica e pelo avançado estágio de integração conquistado, é um bom foco para intensificar esse processo, que vem se arrastando há anos.
O sucesso de cada um dos países-membros do Mercosul está vinculado diretamente à integração dos seus mercados e de seus sistemas de produção. A competição dos novos investimentos estrangeiros, tanto das empresas já presentes na região quanto de novas não é intra-Mercosul, mas da região com outros países e blocos. Aliás, a indústria argentina precisa de mais investimentos, proporcionalmente ao Brasil, pela maior obsolescência de seu parque produtivo.
A definição de uma política automotiva para o Mercosul deve considerar os seguintes princípios gerais:
1 - Em direção à competitividade internacional - Argentina e Brasil, os dois maiores produtores, não são competitivos internacionalmente. Seus produtos são antiquados, os níveis de produtividade e de qualidade são baixos, os processos de produção, as máquinas e os equipamentos são obsoletos em grande medida, a escala é baixa para a maioria dos modelos.
A carga tributária continua excessiva e os custos são elevados. Muito embora ambos os países tenham feito progressos substanciais nos últimos quatro anos.
A busca da competitividade deve ser viabilizada pelos processos de abertura comercial, modernização tecnológica e eficiência produtiva, possibilitando, desta forma, a inserção destes países na economia global. Uma melhor posição competitiva pode permitir saldos comerciais e o aumento das exportações para viabilizar as importações complementares.
Com as políticas adequadas, em cinco anos poderemos ter uma indústria sul-americana muito mais competitiva, embora ainda requerendo algum tipo de proteção, que pode ser garantida basicamente através da administração adequada das alíquotas de importação e não por ineficazes sistemas de cotas.
2 - Complementação e especialização produtivas - A estratégia das empresas para os dois países tem procurado buscar economias de escala e de escopo, possíveis na medida em que se considera um mercado consumidor potencial de 2,5 milhões a 3 milhões de veículos no ano 2000, estando portanto entre os cinco maiores do mundo.
As empresas podem se especializar na produção de poucos e modernos modelos por país, tendo em vista as particularidades de cada mercado e os ativos já imobilizados nos dois países, viabilizando assim os investimentos em modernização, como aliás já vem ocorrendo. Por exemplo, a Ford vai produzir apenas dois modelos de automóveis na região (Escort e Verona na Argentina e Fiesta no Brasil) e importar os outros modelos.
Assim, a política industrial deve estimular esse tipo de estratégia para viabilizar escalas produtivas adequadas e a produção moderna e eficiente de produtos de qualidade internacional, tanto dos veículos quanto das peças e componentes de maior valor agregado.
3 - Simplicidade e transparência - São inúmeros os desafios causados pelas diferenças de competitividade, pelos diferentes arranjos institucionais existentes e por interesses nacionais, nem sempre plenamente convergentes entre si.
O cipoal de regulamentações, as dubiedades e a ambivalência das regras dos países devem ser substituídos por normas e procedimentos claros e transparentes.
A gradual construção de relações de confiança entre os governos facilitará o estabelecimento de um microgerenciamento flexível, dentro de um quadro institucional claramente estabelecido, orientado para o longo prazo. A base comum e compartilhada de informações deve ser mais confiável e ágil.
As incompreensões do passado, as dificuldades de comunicação e a falta de confiança entre os governos do Brasil e da Argentina refletem a profunda distância que ainda separa os dois países, apesar da proximidade geográfica. Buenos Aires e Córdoba estão quase à mesma distância de São Paulo que Salvador e Recife.
Ainda faltam aos governantes e elites dos dois países acreditar em suas próprias palavras, de que efetivamente há um destino unificado para os dois maiores países da América do Sul, e colocar em prática uma política setorial comum com urgência.
É a oportunidade de estancar os sucessivos retrocessos da política industrial setorial brasileira, recorrentes desde o ano passado, como o elevado ``gap" de tributação entre os ``populares" e os outros modelos, o aumento do IPI dos ``populares", a redução e depois aumento das alíquotas de importação, o estabelecimento de cotas, restrições ao financiamento etc.
Corre-se o risco de desperdiçar os progressos conquistados durante a primeira metade dos anos 90, quando foram obtidos importantes desenvolvimentos em modernização tecnológica e gerencial, tendo como resultado melhorias no desempenho da indústria.

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