São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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As ações revisionais de aluguel e o CDC

LIA PALAZZO RODRIGUES

As ações revisionais de aluguel constituem um drama para os inquilinos, para os locadores e para os juízes.
Os locadores têm o direito de pleitear a revisão do aluguel com vistas a elevá-lo ao valor de mercado. Todavia, a questão da revisão dos aluguéis não pode, por sua importância, ser analisada de modo simplista.
Normalmente, quando se pactua o contrato de locação, existe, pelo menos formalmente, um equilíbrio entre os valores da prestação (transferência da posse) e da contraprestação (aluguel). O contrato de locação é de execução continuada, de modo que, após certo tempo, o valor do aluguel se defasa e rompe o equilíbrio inaugural.
A ação de revisão tem como finalidade restabelecer o equilíbrio inicial do acordo via compatibilização do aluguel como o valor do mercado. Assim entende Sylvio C. de Souza.
Atente-se que o contrato de locação é bilateral, donde se depreende que o equilíbrio pretendido deve se estabelecer para ambas as partes contratantes. E que a concepção de contrato, modernamente, é uma concepção social em que avultam em importância os efeitos do contrato na sociedade e onde é levada em consideração mais a condição socioeconômica das pessoas nele envolvidas do que o momento da manifestação de vontades. Esse é o ponto de vista de Cláudia Lima Marques.
Por outro lado, lembrando Nagib Slaib Filho, não se pode conceber o contrato de locação sem as luzes da visão social do direito de propriedade.
A seu turno, o contrato de locação está obrigado pelos princípios que orientam o Código de Defesa do Consumidor, segundo lecionam, entre outros, Cláudia Lima Marques e Silvio de Salvo Venosa.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) arrola, no seu artigo 6º, os direitos básicos do consumidor, incluindo no seu item 5 a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais. Por outro lado, o artigo 51 do CDC aponta, entre as cláusulas abusivas, as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, incompatíveis com a boa fé ou a equidade. Percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor quis, a toda evidência, evitar que o fornecedor, geralmente a parte economicamente mais forte, esmagasse o consumidor, que é o contratante mais frágil.
A Constituição, ao tratar da Ordem Econômica e Financeira, a partir de seu artigo 170, estabelece os princípios da atividade econômica evidenciando a função social da propriedade e a defesa do consumidor.
O que se vislumbra no dia-a-dia das revisionais de aluguel é que, ajustando-se o preço da locação ao valor do mercado, atende-se tão somente ao interesse do locador. Onde, então, está o equilíbrio que a própria ação revisional visa restabelecer? Pode-se falar em ``equilíbrio" quando se atende a pretensão de apenas uma das partes? Nesse ponto há de se aplicar as normas protetivas do CDC. O locador tem direito a ter o preço da locação adequado ao valor de mercado. Mas tal adequação se fará na medida das possibilidades do inquilino, sob pena de se configurar onerosidade excessiva.
Se o juiz, ao proferir sua sentença, simplesmente atualizar o valor do aluguel ao pretendido pelo locador, sem considerar a condição socioeconômica do inquilino, dará lugar ao agravamento do desequilíbrio contratual. Se negar a revisão, contribuirá para que permaneça o desequilíbrio. Mas, se ajustar o preço da locação aproximando a aspiração do locador à possibilidade do inquilino, proferirá sentença mais justa e atenta aos anseios sociais. Que fundamento ético ou jurídico pode justificar decisão diversa?

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