São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 1995
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Harnoncourt quer fim da arrogância cultural

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL A VIENA

A abertura oficial do Festival de Salzburgo, anteontem, foi marcada por um paradoxo. O discurso do maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt, 66, lançou farpas à essência do evento.
"A arrogância cultural deve ter um fim em Salzburgo", disse Harnoncourt. "A arte um dia foi necessária e deve voltar a sê-lo. Ela não se pode se deixar corromper, sua função é subversiva e a censura nunca pode tolhê-la."
A rede de televisão estatal da Áustria, ORF, transmitiu via satélite o evento, que este ano completa o 75º aniversário. Depois do discurso se apresentaram a Orquestra Filarmônica de Viena, regida por Riccardo Muti, e o grupo Salzburger Barockkrfte.
A abertura extra-oficial se deu na sexta, com a apresentação gratuita da peça ``Jedermann", de Hugo von Hofmannsthal. Desde 1920, quando o festival foi criado, a encenação da obra dá início ao evento. A montagem deste ano tem o ator Gert Voss como o personagem ``Todo-mundo" (ou zé-ninguém), em leitura pós-moderna do diretor Gernot Friedel.
A figura do zé-ninguém contrasta com o jet set internacional que frequenta os espetáculos. ``Esta casa que um dia foi dirigida pelos nazistas deve se esquecer da política e buscar o divertimento para todos", disse Harnoncourt.
O discurso do maestro causou sensação. Os principais jornais austríacos comentaram ontem a repercussão da fala.
O festival simboliza hoje a arrogância cultural, os preços excessivos dos ingressos (uma média de US$ 150) e o comercialismo da arte erudita.
A mercantilização dos clássicos teve início nos anos 50, quando o maestro Herbert von Karajan (1908-1989) assumiu a direção do eventos e, simultaneamente, assinou contrato com a gravadora alemã Deutsche Grammophon.
Salzburgo é o evento de ponta da música erudita mundial. Ali é selado o destino da indústria para o ano seguinte.
O advogado belga Gérard Mortier, 55, assumiu o festival em 1991 tentando alterar a face do evento. Tem convidado artistas de vanguarda e tenta diminuir o preço dos ingressos para estudantes. Este ano, anunciou que quer ver Steven Spielberg dirigindo uma ópera na cidade. Spielberg não aceitou.
Mortier é combatido pela corrente principal do mercado, liderada pelo maestro italiano Claudio Abbado, diretor do Festival de Páscoa.
Mortier fez papel de eminência parda da fala de Harnoncourt. Este encerrou: ``O artista não pode ser o propagandista de um produto."

O jornalista Luís Antônio Giron viajou a convite da embaixada austríaca e da Transbrasil

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