São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995
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O Bismarck brasileiro

LUÍS NASSIF

Quem acusa o ministro do Planejamento José Serra de beneficiar São Paulo, ou setores da indústria, não tem a mínima informação sobre sua natureza.
Serra é essencialmente homem de Estado (não necessariamente um estadista), uma espécie de líder do lobby incumbido de defender as contas públicas.
Não é pouco para um país em que nas obras públicas viceja o paradigma de Maluf (``uma ponte vale mais que mil orçamentos, principalmente se a conta for transferida para o sucessor") e nas privatizações o paradigma de Montorinho (``entregar estatal de graça é lucro").
Reside aí sua grande virtude. E seu grande defeito.
A virtude consiste em não fazer nenhuma espécie de concessão financeira que possa comprometer o futuro do Estado. Sob sua responsabilidade, não haverá riscos da privatização significar perdas para o país -como ocorreu na primeira fase do programa.
O defeito consiste na dificuldade em entender as novas formas de articulação do Estado com a sociedade.
Serra continua acreditando firmemente no Estado como o grande condutor dos projetos econômicos. A partir daí, persiste em manter intocados os modelos centralistas do BNDES e do FGTS, e em preservar seu poder de arbítrio sobre os recursos e o modelo da privatização.

Amor de perdição
Só poderão aspirar a uma carreira maior os políticos que conseguirem entender claramente a posição do Estado dentro de uma economia em transição (sobre o tema, ler a excelente exposição do sociólogo Fernando Henrique Cardoso na aula magna na Universidade de Coimbra, na semana passada).
Esta postura autárquica é cada vez mais abominada, não apenas por seu grau de intervenção política mas por sua inadequação econômica -ainda mais para um país com a diversidade e as proporções continentais do Brasil, e com a tradição de fisiologia e corrupção das estruturas públicas.
Ao contrário de tantos colegas ``estruturalistas" dos anos 70, Serra continua acreditando piamente nas reformas estruturais, e no papel do Estado na área social. O que é fundamental.
Mas se não compreender a tempo a dinâmica das relações do Estado com a nova economia, irá desperdiçar uma grande carreira de homem público. E o Brasil não está em condições de desperdiçar as poucas vocações públicas autênticas de que dispõe.

Barão de Mauá
Tornou-se lugar comum apontar os interesses político-fisiológicos como o elemento decisivo na derrocada nas idéias modernizantes do Barão de Mauá -como fez André Lara Resende em sua leitura seletiva da biografia de Mauá.
O buraco é mais embaixo.
Mauá foi combatido fundamentalmente por interesses rentistas representados pelos traficantes de escravos, a partir do momento que acenou com projeto nacional fundado em dinheiro externo barato.
Acostumados a taxas gigantescas de remuneração, era impossível para estes párias conviver com a ética do trabalho e com um projeto nacional que pudesse colidir com seus interesses imediatos.
Esse mesmo espírito dos traficantes do século passado persiste hoje em dia em um sem-número de dublês de economistas oficiais e homens de mercado que ajudaram a erigir estranhas catedrais teóricas destinadas a eternizar juros altos.
Que o espírito de Mauá ilumine seu tetraneto, ministro Pedro Malan, para que se liberte dessas influências nefastas.

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