São Paulo, sexta-feira, 28 de julho de 1995
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``Perfume de Gardênia" mistura bem marginalidade e dramalhão

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Filme: Perfume de Gardênia
Produção: Brasil, 1992
Direção: Guilherme de Almeida Prado
Com: Christiane Torloni, José Mayer, Betty Faria, José Lewgoy
Estréia: no Espaço Banco Nacional

Entra em cartaz hoje em São Paulo, com três anos de atraso, ``Perfume de Gardênia", do cineasta Guilherme de Almeida Prado. É seu primeiro longa desde o cult nacional ``A Dama do Cine Shangai" (1987).
Em ``Perfume de Gardênia", Prado tempera a marginalidade comum em seus filmes com doses de dramalhão bem-amarrado por um roteiro preciso. O conjunto arrisca transformar ``Perfume de Gardênia" em sucesso particular no novo cenário cinematográfico nacional.
A trama gira em torno do casal formado por Daniel (José Mayer) e Gisa (Christiane Torloni), ele um motorista de táxi, ela uma pacata dona-de-casa.
Tudo entre eles corre mais ou menos bem, até que Gisa é casualmente descoberta por um diretor de pornochanchadas (José Lewgoy) e se transforma na estrela Adalgisa Diniz.
Para tanto, tem que descartar o marido, que segue só com o filho do casal (Walter Quiroz), oscilando entre desequilibrado, vingativo e ciumento do filho adolescente que quer se reaproximar da mãe.
Parece enredo de novelão de TV. Mas a marginália aprendida desde a estréia de Prado na Boca do lixo, com ``As Taras de Todos Nós", fala mais alto.
Como o enredo novelesco era pretexto para a saga da marginalidade, esta o é também para que Prado caia na verdadeira sina do filme: a da auto-referência.
``Perfume de Gardênia" fala de cinema o tempo todo, a cada fotograma. Identifica-se, aí, com toda a safra de filmes surgida do desmonte cultural promovido por Collor em diante.
Mas aí vem a surpresa: ao contrário de ``Alma Corsária", ``A Causa Secreta" e do infeliz ``Louco por Cinema", ``Perfume" foge do lamento melancólico e/ou estéril banhado em referências ao cinema brasileiro dos anos 60. É fluente, divertido e envolvente.
O viés do metacinema vem como brinde ao público mais cinéfilo (e ``brasileirófilo").
A referência maior -e constante- do filme é ``O Bandido da Luz Vermelha", marco inicial do cinema marginal que se opôs, em 1968, a Glauber Rocha e aos cinemanovistas.
Já nas primeiras cenas, Daniel transporta em seu táxi um casal de bandidos formado por nada mais nada menos que Helena Ignez e Paulo Villaça (já morto), os protagonistas do filme de Rogério Sganzerla.
A sequência não prima pela sutileza. Daniel mata a sangue frio os assaltantes. Sganzerla tentara, no ``Bandido", matar o Cinema Novo; Prado mata agora, um pouco extemporaneamente, o cinema marginal.
As citações ao ``Bandido" prosseguem explícitas. Sérgio Mamberti revive a bicha louca que entrava no táxi do bandido e as locuções de tom sensacionalista fazem-se ouvir por todo o filme no rádio de Daniel.
Não é só isso, claro. O diretor vivido por José Lewgoy chama-se Ody Marques, referência clara ao mestre da pornochanchada Ody Fraga, e até o abajur lilás teatral de Plínio Marcos é lembrado.
A musa pornô Matilde Mastrangi faz ponta, fora de forma fisicamente mas a todo vapor como atriz cômica.
Há também, é claro (como em quase todo bom filme nacional), a participação da estrela Betty Faria, em papel colateral mas milimetricamente construído e brilhantemente realizado. Como uma atriz pornô e empregada doméstica chamada Odete Vargas, ela sozinha já vale o filme.
Mas não só ela. De resto o mais inspirado dos ``novos" filmes brasileiros, ``Perfume de Gardênia" privilegia, em sua metade final, um triângulo erótico subliminar entre Daniel, Adalgisa e o filho Quim, com ramificações em todas as direções. Mais marginal, impossível.

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