São Paulo, sexta-feira, 28 de julho de 1995 |
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Filme reunirá Glauber Rocha e Oiticica
DANIEL PIZA
Cardoso partirá de uma conversa real que os dois brasileiros -que qualifica de ``demenciais"- travaram em 1979, diante dele, numa festa no apartamento do jornalista Daniel Más. ``Eles tinham muito em comum. Foram os mais indignados e influentes artistas brasileiros dos anos 60 e 70", disse Cardoso à Folha, por telefone, do Rio. ``Também desbundaram no fim da vida e morreram na miséria." Sobretudo, nota Cardoso, ambos tinham idéias estéticas semelhantes e eram artistas experimentais. ``Foram dois gênios", diz. Glauber Rocha, diretor de ``Deus e o Diabo na Terra do Sol" e ``Barravento", foi autor da ``estética da fome" -segundo a qual a arte de um país pobre pode ser feita com pouco recurso financeiro e muita preocupação social. Helio Oiticica, autor de obras como ``O Marginal É um Herói", e ``Cosmococa", foi o criador dos parangolés -roupas para vestir baratas e artísticas. Ambos participaram de movimentos importantes para a cultura brasileira dos anos 60: respectivamente, o Cinema Novo e a Tropicália -que pretendiam uma arte que rompesse a barreira entre alta e baixa cultura e fosse ao mesmo tempo brasileira e internacional. Como os escritores modernistas Oswald e Mario de Andrade nos anos 20, esses artistas propunham a ``antropofagia": comer o que viesse de fora, como canibal, e criar disso uma linguagem própria. ``Mostrando Glauber e Helio juntos, vou juntar a estética da fome com a vontade de comer", diz Cardoso. ``Tem de ser um filme delirante, como eles eram." O filme ainda não tem título. O encontro em 1979 foi motivado por uma reportagem que Oiticica estava escrevendo -e Cardoso era o fotógrafo- para a revista ``Vogue" sobre a arte carioca. Glauber Rocha filmava então ``A Idade da Terra" (1980). ``Helio e Glauber adoravam o submundo de crime, sexo e drogas e atacavam a arte burguesa", diz Cardoso. ``E eles faziam arte de vanguarda com um material absolutamente `trash' (barato)." Glauber Rocha dominará o filme, segundo Cardoso. ``Nunca fiz parte dos cultores de Glauber e, quanto mais revejo o que ele fez e disse, mais bestificado me sinto tanto com seu lado de grande cineasta como com seu lado psicodélico e delirante." Em suas palavras, o filme será ``Glauber numa noite de sacanagem com seu irmão de alma". Justamente por nunca ter sido ``cultor" de Glauber, Cardoso se sente à vontade para dizer: ``O pior do Glauber também é genial. As pessoas ficam cultuando cineastas como Win Wenders e Jim Jarmush, mas ele foi maior". ``Ele está para o cinema brasileiro como Orson Welles (diretor de `Cidadão Kane') para o americano", continua Cardoso. E arremata: ``O que ele fazia por defeito o Godard (diretor francês, de `Viver a Vida') fazia por efeito". A montagem do filme, para dar o caráter delirante e vanguardista de Glauber e Helio, será ``nuclear", diz Cardoso. Uma colagem de filmes de Glauber, filmes ``udigrudi" (que retratam marginais, como os de Rogério Sganzerla e Neville d'Almeida), imagens de Oiticica falando e as cenas com os atores (leia texto abaixo). Cardoso adquiriu os direitos de usar trechos de três filmes de Glauber: ``Páteo" (1961), seu primeiro curta-metragem, ``Câncer" (1968), em que Oiticica é ator, e o próprio ``Terra em Transe". As imagens de Oiticica fazem parte do material produzido por Cardoso para ``H.O." (1979), seu filme sobre o artista plástico. ``Tenho uma hora de material inédito", conta. ``Filmei o Hélio na favela, em casas espíritas, jogando sinuca. E não usei. Hoje vejo que aquilo é a cara do Hélio." Cardoso diz que se tornou artista por causa de Oiticica. ``Ele era o meu ídolo, um cara fascinante." Também usou Oiticica como ator em dois filmes, de que usará trechos: em ``O Segredo da Múmia", em que ele aparece vestido de egípcio numa bacanal, e ``Dr. Dionélio", em que participa de orgia romana. Demencialmente. Texto Anterior: Solidão é fonte para reflexão Próximo Texto: David Pinheiro fará o cineasta Índice |
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