São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995
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A história de uma farsa

JANIO DE FREITAS

Inéditos até este momento, documentos oficiais desmentem tudo o que foi alegado para o não-cumprimento dos acordos entre governo, Petrobrás e petroleiros, resultando na greve tão dramática para o país. Principal responsável pela tese de que o acordo foi feito à revelia da Petrobrás, Joel Rennó, seu presidente, é o próprio signatário de documentos que provam a inverdade da tese e a adulteração dos fatos, por interesses pessoais e políticos.
A influência desses interesses começa na eleição presidencial. Distorções salariais não corrigidas pela Petrobrás haviam levado seus funcionários a iniciar uma greve em 27 de setembro de 94, uma semana antes da votação. Três dias depois, o Tribunal Superior do Trabalho julga a greve e sentencia, entre outras coisas, que a empresa analise a chamada relação internível das escalas salariais, ``visando à possibilidade de promover eventuais adequações (...) vinculadas à manutenção do equilíbrio remuneratório interno".
A falta de providências da Petrobrás, em relação a vários pontos das reivindicações e da sentença, faz manter a greve. Já receoso, antes do primeiro turno, de que a greve tivesse influência eleitoral, Fernando Henrique, tão logo houve a votação e mais preocupado em relação ao possível segundo turno, pressionou Itamar Franco para interceder, forçando o fim da greve.
Já no dia 5 de outubro, dois depois da votação, Itamar convocou a Juiz de Fora os ministros da Fazenda, do Trabalho e das Minas e Energia (Ciro Gomes, Marcelo Pimentel e Delcídio Gomez), e o presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva. Foi o tão citado encontro de Juiz de Fora, do qual resultou o ``Termo de entendimento do governo federal com os petroleiros/CUT".
Ficava para ``ser discutida em outra ocasião qualquer cláusula econômica, relativa a alegadas perdas salariais", e 50% dos dias de greve seriam descontados, compensando-se com horas-extras os outros 50%. Mas não haveria demissões e a Petrobrás teria que ``retomar as negociações nas cláusulas sociais em que não haja manifestação do TST, nas bases em que as negociações foram apresentadas pela empresa em 20 de setembro" e depois relegadas. No dia seguinte ao encontro, a greve estava encerrada.
Dados os precedentes deixados pela direção da Petrobrás, o ministro do Trabalho foi incumbido dos termos finais do entendimento entre governo, Petrobrás e petroleiros. Com a participação também do ministro de Minas e Energia e de representantes da estatal, foi elaborado o ``Termo de acordo entre o governo federal e a Federação Única dos Petroleiros". A intenção de fazer um entendimento definitivo levou o acordo a reproduzir, junto às novas cláusulas, outras que vinham de acordos anteriores e continuariam vigendo. Pelo governo, deveriam assiná-lo Delcídio Gomez e Marcelo Pimentel. Este, porém, repentinamente recusou-se a fazê-lo, argumentando haver cláusulas, as de acordos anteriores, de que não era autor. Delcídio Gomez assinou sozinho a cópia final, e por isso recaíram sobre ele a responsabilidade e os ataques que deveriam destinar-se a outros. Mas Marcelo Pimentel deixou, como prova inquestionável de autoria, a sua letra no texto do qual foi extraída a cópia refinada para as assinaturas.
Cada folha daquele texto original tem uma rubrica. É de Orlando Galvão Filho, então presidente em exercício da Petrobrás. Logo, é absolutamente falsa a versão, até agora vigente, de que Delcídio Gomez, então ministro das Minas e Energia, tenha feito com os petroleiros um acordo ignorado pela direção da Petrobrás ou sem a participação dela. A rubrica de Galvão atesta, mais do que a simples participação, a concordância da direção da Petrobrás com os termos todos do acordo, assinado em Brasília no dia 10 de novembro.
De Porto Alegre, Ciro Gomes, então na Fazenda, aplaude o acordo. De Brasília, Beni Veras, ministro do Planejamento, critica com ferocidade. O pessoal de Fernando Henrique no governo ataca também. Ciro Gomes, de volta a Brasília, muda de opinião, e o faz à sua maneira entijolada. Itamar cede e, no dia 17, manda rever o acordo. Os petroleiros respondem no dia seguinte, decretando greve para o dia 23. Paralisada outra vez, e sempre sem ter cumprido sequer uma cláusula dos acordos, a Petrobrás entra com dissídio coletivo no TST, pedindo julgamento urgente.
A audiência de conciliação foi quase imediata: dia 25, um dia muito relevante nesta história. Ouvidos pelos juízes os representantes das partes, a Petrobrás, diz a ata do TST, ``requereu a suspensão da presente audiência até às 14 horas, em face da possibilidade de entendimentos". Esta possibilidade era uma reunião que se realizaria entre representantes da empresa e dos funcionários naquela tarde, na sede mesma da Petrobrás, no Rio.
Representando a empresa na audiência do TST, em Brasília, seu superintendente de Recursos Humanos, Clotário Francisco Cardoso, foi substituído na reunião no Rio pelo superintendente-adjunto, José Lima de Andrade Neto. Qualquer entendimento que houvesse aí, só poderia ser assinado, pois, por Andrade Neto. Foi o que aconteceu, estabelecendo os termos do ``Protocolo firmado entre a Petrobrás e a Federação Única dos Petroleiros".
Foi a suposta não-representatividade de Andrade Neto, no entanto, que veio a ser invocada pela Petrobrás e pelo governo para o não-cumprimento de mais este acordo. As condições, pelo mesmo argumento, teriam sido estabelecidas à revelia da direção da empresa.
O argumento é uma falsidade documentada. No mesmo dia da audiência suspensa a pedido da Petrobrás e do acordo feito na sede da estatal, Joel Mendes Rennó, presidente da empresa, remetia e assinava uma ``Nota ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Itamar Franco", cujo primeiro parágrafo dizia ``A Petrobrás e a Federação Única dos Petroleiros/Sindicatos, em reunião no dia de hoje, acordaram o seguinte:". Logo de saída, confirma oficialmente o acordo. O tal seguinte era nada menos do que a transcrição, letra por letra, retirada apenas a menção a uma sentença do TST contrária à Petrobrás, das cláusulas do acordo firmado naquela tarde e que Rennó diria, mais tarde, ter sido à revelia da direção da empresa e, sobretudo, da sua própria.
O comunicado do entendimento, feito a Itamar, desmente tudo o que Rennó, outros diretores da Petrobrás e o atual governo disseram sobre o não cumprimento do acordo e nas alegações que levaram o TST a sentenciar a abusividade da greve de maio deste ano.
A partir de 25 de novembro e durante cinco meses, quatro dos quais no atual governo, os petroleiros tentaram em vão o cumprimento do acordo. Nesse período, Rennó emitiria ainda outro documento (também sonegado aos fatos reais) com sua assinatura, de 5 de dezembro, tratando com o ministro das Minas e Energia de questão relativa ao cumprimento, não efetivado, do mesmo acordo.
Empossado o novo governo, Joel Rennó foi mantido e agora confirmado na presidência da Petrobrás. Não é preciso explicar por quê.

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