São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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A anti-social-democracia do Real em 1995

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

"O Brasil foi dividido em dois. O Brasil líquido voltou a beber na ciranda financeira, ganhando como nunca ganhou. O Brasil descapitalizado quebrou."
Luís Nassif, Folha, 27/07/95
Um dos aspectos mais divulgados do Plano Real em 1994 foi o de ter permitido uma redistribuição de renda a favor dos mais pobres com a redução da inflação.
Este é um aspecto que não se pode negar. Após meses de subida dos preços a taxas superiores a 40% ao mês, a diminuição da inflação representou um alívio para os grupos mais pobres.
Deve-se lembrar também que, em grande medida, o crescimento da inflação naquele ano foi fruto de uma ação deliberada do Banco Central.
Sem a anuência do Congresso, o BC decidiu acumular muitos dólares em suas reservas internacionais para ajudar o plano de estabilização que seria adotado no segundo semestre.
Essa fase foi conduzida unilateralmente pelo BC porque ele podia (e continua podendo) emitir moeda para comprar os dólares que aqui entravam atraídos pela alta taxa de juros doméstica.
O primeiro semestre de 1994 é comparável à experiência de se colocar um bode fedorento em uma sala fechada cheia de gente. Primeiro, irrita-se bastante o animal para que ele feda muito.
Em seguida, em hora combinada, retira-se o bode da sala. Há, então, alívio generalizado, pois o ar melhora. A platéia agradece de coração à boa alma que retirou o catinguento animal.
A aceleração da inflação no primeiro semestre de 1994, de responsabilidade do BC, teve esse papel de piorar o ambiente. Assim, quando se deu a substituição do cruzeiro real pelo real houve um grande alívio.
A redução do imposto inflacionário cobrado sobre o dinheiro que se carregava no bolso (uma quantia nada desprezível de cerca de 2,5% do PIB) teve, ao menos, este aspecto positivo.
Mas esse efeito esgota-se em pouco tempo. Após aproximadamente três meses de plano esse efeito já não conta mais.
Assim, se no início o Real ajudou a redistribuir um pouco a renda, no presente o plano está promovendo uma grande transferência de renda dos que pagam impostos para os mais ricos do país. Agora, a social-democracia está funcionando às avessas.
Isso está ocorrendo em função da taxa de juros básica extremamente elevada que o BC vem praticando, irresponsavelmente.
Cálculos de Gerson Lima, da Universidade Federal do Paraná, que serão comentados no próximo domingo, mostram que se os custos da política monetária adotada pelo BC forem incluídos, o país gasta hoje cerca de R$ 1 bilhão por semana com essa política absurda.
Por essa razão, o consumo de produtos de luxo está tão aquecido. Qualquer visita a um shopping mostra que as lojas de luxo estão com freguesia e as lojas mais classe média estão às moscas.
O efeito renda da política de juros, em vez de diminuir o consumo, distribui renda para os mais ricos, que estão consumindo mais.
Concluindo, o Real em 1995 está se caracterizando como um plano anti-social-democrata. Cabe a esse partido se pronunciar com maior clareza se é isso que deseja para o país.

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