São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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O resíduo nas incorporações pode ser cobrado?

DAVID SCHNAID

A medida provisória 1.053, da desindexação da economia, proíbe a pactuação da cobrança da correção monetária passada, no 13º mês, nos contratos das incorporadoras de imóveis firmados após 15/3/94? Ou somente pode ser corrigido o valor da prestação, o qual persistirá por outro ano? Por que este divisor de águas: ``Antes de 15 de março pode, depois não"?
Primeiramente, faz-se necessário distinguir o reajuste do valor da prestação e do contrato. Por exemplo, a lei prevê o reajuste do aluguel, isto é, de uma prestação.
Já a lei 8.880, que instituiu a URV (Unidade Real de Valor), em seu artigo 11, permite a cláusula de reajuste de valores ``nos contratos celebrados em URV"; em seu artigo 12, menciona a ``revisão ou reajuste de preços nos contratos". A lei 9.069, que adotou o real com curso legal a partir de 1º de julho de 94, em seu artigo 27, parágrafo 4, e em seu artigo 28, menciona ``correção monetária dos contratos", das ``obrigações contraídas".
Uma norma de hermenêutica é não interpretar com base na ignorância do legislador. Se este usou as expressões ``contrato" e ``obrigação", deve-se concluir que o reajuste é do valor do contrato e da obrigação, não só da prestação, como pretendem alguns.
A dúvida decorre da redação do artigo 2º, parágrafo 3º, da MP 1.053, a saber: ``Ressalvado o disposto no parágrafo 7º do artigo 28, da lei 9.069, de 29 de junho de 94, são nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual."
O artigo 28 trata da periodicidade anual ``de aplicação" da cláusula de reajuste nos contratos e do momento em que se calcula esse período: nas obrigações assumidas em cruzeiros reais, em URV, em reais etc, e, no parágrafo 7º, ``nas obrigações em cruzeiros reais, contraídas antes de 15 de março de 1994 e não convertidas em URV".
É que a lei 8.880 manda, no seu artigo 10, que a partir de 15 de março ``os valores das obrigações pecuniárias de qualquer natureza" serão ``obrigatoriamente expressos em URV". E as obrigações assumidas antes de 15 de março? Deviam ser convertidas para URV, em 1º de março; e se não, para real, em 1º de julho de 94. Daí a previsão no caso de obrigações contraídas antes de 15 de março e não convertidas em URV, no citado parágrafo 7º.
Enquanto nas convertidas em URV o período de um ano se conta a partir dessa conversão, nas não convertidas o primeiro período anual se conta da conversão para o real, respeitando-se a ``forma contratada de atualização".
É sabido que, antes da URV, a atualização podia ser pela UFIR, pelo VRF (Valor Referencial de Financiamento), pela caderneta de poupança etc. A convenção deve ser respeitada, diz a lei. Nas obrigações assumidas após 15 de março, somente foram permitidos os ``índices de preços ou que reflitam a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados".
Em resumo: as obrigações contraídas antes de 15 de março não convertidas em URV, após convertidas em reais, não se distinguem das demais a não ser pela ``forma contratada de atualização". É isso que foi ressalvado na nova MP. Não há outra razão para um tratamento diferenciado.
Note-se que a lei que instituiu a URV admitiu a cláusula de reajuste, ``desde que a aplicação da mesma fique suspensa pelo prazo de um ano". ``Suspensa" significa que o reajuste ocorrido não pode ser cobrado antes de um ano, nunca sua supressão.
E a Lei que mudou a moeda para o real usa a expressão ``periodicidade de aplicação da cláusula de reajuste será anual". ``Aplicação" equivale a efetivar pela cobrança, e não extinguir a correção passada. Inclusive previu a hipótese de o devedor preferir quitar parcialmente ou totalmente o seu débito antecipadamente, ``desde que o faça com o seu valor atualizado".
O malsinado parágrafo 3º do artigo 2º, em comento, declara nulos quaisquer ``expedientes", isto é, recursos excusos visando contornar a proibição: equivale a considerar o dispositivo como de ordem pública, de interesse nacional.

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