São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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O SÉCULO RADICAL

OTÁVIO DIAS

Folha - E por que não?
Hobsbawm - Porque se a taxa de desemprego é de 10% ou 12%, alguém tem que pagar por isso. Não dá para ignorar o problema. Pode-se ignorá-lo em países do Terceiro Mundo, porque espera-se que as pessoas morram de fome. Além disso, no Terceiro Mundo as relações entre a família e os vizinhos são mais intensas e, de certa maneira, funcionam como um sistema de seguridade social privado.
Folha - Mas o sistema de bem-estar social terá que sofrer mudanças?
Hobsbawm - Há uma quantidade de caminhos diferentes para se implementar um sistema. Ele não precisa funcionar como na Inglaterra, onde opera por intermédio do Estado e é distribuído nas agências de correio. Mas a única maneira efetiva envolve transferência de recursos públicos. Não precisa ser necessariamente gerenciado pelo governo, mas não pode ser deixado nas mãos do mercado.
Folha - O sr. acha que alternativas como redução das horas de trabalho podem trazer resultados positivos?
Hobsbawm - Como medida de curto prazo, é uma boa medida, mas quando a tendência é de grande parte das pessoas não terem simplesmente nenhum trabalho, acho que não resolveria o problema.
Este é um processo muito negativo porque a taxa de desemprego tende a ser especialmente alta entre os jovens. Os franceses têm uma expressão do século 19: "les classes dangereuses. Em todas as cidades, "as classes perigosas são os homens de 14 a 21 anos, que não trabalham, não estudam e são responsáveis pela crescente criminalidade e insegurança.
Entre 1950 e 75, a economia cresceu de maneira tão rápida que houve trabalho para quase todos. Mas não acho que ela volte a crescer num nível que retarde o processo de desemprego.
Folha - Nos anos 80, houve o colapso dos regimes comunistas e a submersão do pensamento de esquerda. Nos anos 90, vemos que a "fórmula mágica preconizada pela direita não está trazendo os resultados previstos. Que tipo de diálogo se deve construir hoje, tendo em vista o mercado global do futuro?
Hobsbawm - Isso varia de um país para outro e os problemas fundamentais não são facilmente reconhecidos. Por exemplo, uma das causas da guinada para a direita da política norte-americana é essencialmente que as condições de vida de muitos americanos pararam de evoluir nos últimos 20 anos.
Eles estavam acostumados durante o último século a ter condições cada vez melhores e isso os desorienta, é contra as leis cósmicas.
Este processo não afeta os verdadeiramente ricos e as grandes empresas, que podem investir em qualquer lugar do mundo, mas atinge grande número de pessoas nos países ricos que, no passado, recebiam sua renda do trabalho.
O perigo é que isso abre espaço para políticas demagógicas de direita, para a xenofobia. É o pano de fundo sobre o qual devemos entender a crise política nos países desenvolvidos.
Folha - Os termos direita e esquerda ainda fazem sentido?
Hobsbawm - Para mim, existe uma diferença entre quem acredita em liberdade, igualdade e fraternidade e quem não acredita.
Folha - A esquerda está fazendo um bom trabalho?
Hobsbawm - Não. Ideologicamente, a esquerda perdeu a confiança no seu programa. Tanto a esquerda quanto a direita acreditam hoje em economias mistas, com elementos públicos e privados. A diferença está na ênfase da esquerda para a igualdade social, enquanto a direita privilegia coisas como o crescimento econômico.

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