São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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Drogas, uma nova geração

Os avanços científicos, infelizmente, nem sempre revertem para o bem da humanidade. Nos anos 90, as drogas estão se tornando mais potentes e mais baratas.
Sintetizado pela primeira vez em 1923 por Willstãtter e Bode, o cloridrato de cocaína encontrou seu sucedâneo no crack, uma substância preparada a partir da mistura da pasta de folhas de coca com bicarbonato de sódio. Se a cocaína ainda teve alguma aplicação médica -anestésico tópico antigamente usado em pequenas cirurgias-, o crack não tem outro fim que não o de viciar as pessoas.
E o faz com bastante eficiência, é preciso reconhecê-lo. O uso diário de cocaína durante cerca de dois meses estabelece o fenômeno da dependência. Já o crack vicia em menos de um mês de uso e é muito menos caro do que a cocaína.
E essa droga já invadiu São Paulo. Estudo da OMS indica que 35% dos meninos e meninas de rua da capital paulista já experimentaram o crack. O grave é que oito de cada dez pessoas que experimentam a droga acabam nela se viciando.
Outro exemplo da ciência a desserviço da sociedade é o chamado skunk (gambá em inglês). Trata-se de uma variedade da maconha criada em laboratório que tem um cheiro extremamente forte, daí a razão de seu nome. Criado na Holanda, o skunk apresenta folhas com uma concentração de 30% de tetrahidrocanabinol (THC) -o mais importante princípio ativo da droga- contra 4% nas variedades normais.
O skunk é hoje produzido em estufas com técnicas hidropônicas. Todas as 421 substâncias ativas da maconha comum estão potencializadas na nova variedade. Os usuários dessa droga costumam apresentar quadros de paranóia mais frequentemente do que os consumidores da maconha comum.
Também a heroína está ficando menos cara e mais pura. No início dos anos 80, a droga em Nova York tinha em média um índice de pureza de 4%; hoje, chega a 60%. Assim tão pura, a heroína não precisa necessariamente ser injetada, podendo ser aspirada ou fumada. A não necessidade de usar a seringa é apontada por especialistas como um fator que tende a aumentar o número de usuários.
Os horrores por que passa uma pessoa dependente da ingestão diária de alguma droga são inenarráveis. Vão-se, nesta ordem, emprego, família, auto-estima, os cuidados com o próprio corpo e, por fim, a vida. Alguns ainda conseguem se reerguer, com muito sacrifício, e abandonar o vício. São, porém, uma pequena minoria.
As estratégias usuais de combate às drogas -leia-se, a repressão- vêm-se mostrando infrutíferas diante da crescente ousadia e sofisticação dos barões da droga. Os EUA chegam a gastar anualmente bilhões de dólares na repressão ao tráfico. Os resultados deixam a desejar. Pesquisas indicam que o número de viciados não decresce e que os norte-americanos estão tendo seu primeiro contato com as drogas cada vez mais jovens.
Embora as chamadas drogas lícitas -como o álcool, o tabaco, benzodiazepínicos, anfetaminas e barbitúricos- ainda constituam um problema bem mais grave de saúde pública, as drogas ilícitas -cada vez mais poderosas e menos caras- não podem ser ignoradas.
As propostas de legalizar essas drogas encontram defensores e opositores, todos com bons argumentos. Para os advogados da idéia -entre eles o Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman-, a legalização eliminaria o chamado imposto sobre o ilícito, ou seja, a fonte de lucros dos traficantes. Com isso, toda a violência que cerca o tráfico seria eliminada. E mais, os impostos arrecadados com as drogas poderiam ser revertidos para o tratamento de viciados e em campanhas de prevenção ao abuso de drogas. O controle estatal sobre os produtos também garantiria padrões de qualidade e potência mais uniformes e clinicamente mais ``aceitáveis". A proibição da venda para menores de idade também seria melhor fiscalizada.
Outros temem, com razão, que a chancela do Estado às drogas leve as pessoas a pensar que elas não são perigosas, facilitando assim o abuso -a exemplo do que já ocorre com o álcool. É consenso que, pelo menos nos primeiros instantes, o consumo se elevaria.
Esse complexo debate deve ser levado a cabo com serenidade e sem hipocrisia. Talvez a legalização possa diminuir a aflição de milhares e milhares de pessoas e baixar um pouco a violência no país.

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