São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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Reforma do Judiciário e Juízo Arbitral

MARCO MACIEL

O estabelecimento do Juízo Arbitral, cogitado no projeto de minha iniciativa, já aprovado no Senado e em apreciação na Câmara dos Deputados, constitui, a meu ver, uma importante contribuição para ``viabilizar uma alternativa à Justiça oficial, que resolva os litígios rapidamente e a um custo mais baixo", conforme observa a doutora Selma Ferreira Lemes, que, sob a coordenação do advogado Petrônio Muniz e juntamente com os professores Carlos Alberto Carmona e Pedro Batista Martins, ajudou a elaborar a referida proposição.
A iniciativa está centrada nos institutos jurídicos do compromisso e do juízo arbitral, ambos previstos no Código Civil e no Código de Processo Civil brasileiros, não constituindo, portanto, matéria nova. A inovação, na realidade, consiste em dar previsão legal ao assunto, para suprir duas lacunas que tornam esse instituto jurídico inaplicável na prática, ou, pelo menos, de aplicação extremamente difícil e reconhecidamente morosa.
Na atualidade, são dois os impedimentos dessa natureza. Primeiro, a circunstância de que, exatamente por falta de previsão legal para a cláusula compromissária, a promessa contratual de solucionar eventuais pendências por meio de decisões arbitrais não tem outro efeito que o de gerar perdas e danos, de difícil liquidação. O segundo é a necessidade de se homologar obrigatoriamente todo e qualquer laudo arbitral pelo Poder Judiciário, o que elimina, de fato, duas das maiores vantagens desse instituto: o sigilo e a celeridade.
Trata-se de um assunto que, por suas implicações, insere-se em questões mais amplas, de interesse geral. Nesse contexto, dois temas são de inquestionável atualidade. O primeiro diz respeito ao funcionamento do Poder Judiciário, e o segundo, à modernização institucional do Estado brasileiro.
No que se refere ao funcionamento do Poder Judiciário, constata-se que não há programa político de modernização institucional que não se refira, em termos mais ou menos candentes, à necessidade de modernizarmos a Justiça brasileira. Esse não é um desafio a ser vencido só pelo governo federal, mas também pelos governos estaduais.
O ministro Sepúlveda Pertence, presidente do Supremo Tribunal Federal, sintetizou o desafio, afirmando: ``Não há juízes, não há dinheiro, mas é preciso pensar objetivamente a realidade". Compartilho integralmente da opinião abalizada do ministro a respeito desse tema, como também das soluções que ele aponta relativamente ao segundo aspecto da atualidade do problema, a modernização institucional do Estado.
O instituto da arbitragem tem exatamente essa virtude, ou seja, extrair do Judiciário, por essa via rápida, sigilosa e barata, as peculiaridades do processo judicial no âmbito do Estado: a demora e o custo. Milhares e milhares de causas poderiam ser resolvidas anualmente por esse processo.
Reconheço que a generalização dos Juizados de Pequenas Causas constitua uma inovação constitucional vitoriosa. Mas, a despeito de ser um desafogo para a Justiça, o Juizado de Pequenas Causas continua sendo uma instituição decisória no âmbito do Poder Público. O processo arbitral é algo ainda mais avançado, pois não transfere o litígio de uma instituição estatal para outra de igual natureza.
Vai mais além: passa a solução dos litígios do âmbito público para o âmbito privado. Subtrai as questões da tutela do aparelho judicial do Estado. É, a meu ver, um passo decisivo na emancipação da sociedade em relação ao Estado, sem qualquer custo para o Erário.
Há outra circunstância, no entanto, que não deve ser esquecida. Todos nós sabemos das dificuldades que existem na busca de soluções judiciais do Estado nos casos do comércio internacional, que envolvem empresas, firmas, fornecedores e consumidores de diversos países. O Tribunal Arbitral é a solução ao mesmo tempo mais eficiente, mais justa e mais barata nesses casos.
O Brasil está intensificando o seu comércio exterior e ampliando as suas relações econômicas e financeiras, com a abertura econômica que data já de alguns anos. Mais do que isso, estamos participando ativa e fecundamente de um novo bloco econômico que busca integrar o mercado dos países do Cone Sul e, futuramente, de todo o continente americano.
Essas questões multilaterais ou bilaterais tendem necessariamente a se expandir, a se intensificar e a se generalizar. Não vejo outra saída para o dinamismo do comércio e das relações financeiras internacionais que não o processo arbitral, em que o direito nacional das partes envolvidas pode, sem constrangimentos, ser levado em conta, ser considerado.
Essa, aliás, é a solução recomendada pelo Protocolo de Brasília de 17 de dezembro de 1991 para resolver controvérsias no âmbito do Mercosul.
Acrescento uma última observação, quanto ao caráter amplo, difuso e abrangente permitido pelo arbitramento e pela mediação como instrumentos de solução, não só de controvérsias jurídicas, mas também de toda natureza.
O ``arbitramento", como se chamava anteriormente, foi um instrumento largamente utilizado por diferentes países nas controvérsias internacionais entre os Estados, envolvendo, sobretudo, questões históricas de posse e domínio dos territórios contestados.
Isso demonstra que, se o instituto da mediação e da arbitragem podem ser soluções viáveis, rápidas e exequíveis para os Estados, com muito mais razão podem ser úteis, eficazes e baratas para os particulares.

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