São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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Uma solução híbrida

ALDO VIEIRA DA ROSA

Num país de governo unitário como o nosso, embora rotulado de ``federação", espera-se que tudo bom e tudo ruim emane do governo central. Por isso pode parecer estranho a um brasileiro observar que nos Estados Unidos o sistema é bem mais descentralizado.
Assim, por exemplo, assassinato não é um crime federal - a não ser que a vítima seja o presidente da República. Naturalmente, cada Estado pune o assassino (quando consegue pegá-lo), mas a Polícia Federal não se mete nisso.
O mesmo acontece com muitas normas que são estabelecidas independentemente por diferentes Estados. Isso permite uma certa experimentação -as normas mais eficazes são eventualmente adotadas por outros, levando frequentemente a uma otimização.
No campo da regulamentação das emissões poluentes dos automóveis, o líder tem sido o California Air Resources Board (Carb), que tem pionerado os padrões que muitos outros Estados copiam. E, visto o enorme número de automóveis na Califórnia, as normas do Carb são bastante severas.
O ano de 1998 está se aproximando e, com ele, a entrada em vigor de regras extremamente restritivas para a emissão de gases por automóveis.
Entre essas, a que causa mais preocupação à indústria automobilística é o requisito de que 2% dos veículos vendidos na Califórnia a partir dessa data terem de ser ``veículos de emissão zero" (ZEV, em inglês que, como é sabido, escreve tudo de traz para diante).
Estritamente falando, só veículos elétricos (EV) funcionam sem emitir qualquer gás deletério. O problema é que, até hoje, ninguém consegue fabricar um carro elétrico simultaneamente atraente e barato.
Há carros elétricos realmente ``sexy", capazes de acelerar de zero a 90 quilômetros/hora em uns 6 segundos e com autonomia de mais de 100 quilômetros. Um exemplo é o Impact, da General Motors, uma verdadeira jóia. O que a GM ainda não descobriu é como fabricá-lo por menos de uns US$ 100 mil.
Carros elétricos de preço mais razoável têm baixa aceleração e pequena autonomia. Difícil vender carros que ou custam uma exorbitância ou exibem um desempenho abaixo do medíocre.
Como vender 2% de carros desse tipo? Uma solução é arcar com o prejuízo vendendo os EV bem abaixo do custo, com a esperança de cobrir o déficit com a venda dos carros convencionais (ICV -internal combustion vehicles- para continuar usando as siglas em moda).
Acontece que perder dinheiro não é estratégia preferida pelos fabricantes em Detroit, embora nisso tenham acumulado bastante experiência face à concorrência japonesa. Uma melhor solução é pagar uns advogados para fazer uma exegese mais favorável das regras do Carb.
Afinal de contas, a expressão ``zero emissão" é ambígua como qualquer bom diplomata pode provar. Ela não significa, como um leigo possa imaginar, que a operação do veículo ocorre sem que gases poluentes sejam emitidos.
Pensando bem, um EV (veículo elétrico, lembra?) não emite nada, mas usa eletricidade que foi, pelo menos em parte, gerada pela queima de combustíveis fósseis. Assim, se você usa eletricidade, você está gerando poluição. O justo é interpretar ``zero emissão" como um nível de emissão que um carro elétrico provoca.
Se um carro usa combustíveis comuns mas emite menos ou o mesmo que a emissão correspondente da empresa elétrica, então esse carro tem, eficazmente, ``zero emissão". Ou assim argumentam os luminares da indústria.
Dada essa hábil interpretação das leis californianas, carros elétricos não vão aparecer, de repente, em 1998. O que provavelmente vai acontecer é o carro híbrido, um que combina eletricidade com combustíveis.
Isso permite, espera-se, misturar características favoráveis dos dois, sem herdar muitas das desfavoráveis. Essa solução (HEV -veículos elétricos híbridos) tem duas versões: a versão ``série" e a ``paralelo".
A primeira consiste simplesmente em adicionar ao puro EV um conjunto motor-gerador que carrega a bateria mesmo durante uma viagem. Isso aumenta enormemente a autonomia sem contribuir demais para a poluição, pois o motor que aciona o carregador funciona otimamente com velocidade constante, não tendo de se adaptar ao regime altamente variável dos automóveis comuns.
A desvantagem é que o motor elétrico tem de fornecer toda a potência que o carro necessita para acelerações rápidas e isso exige um motor grande que, na maioria do tempo, só usa uns 20% de sua potência.
Na solução paralela, o carro é acionado simultaneamente pelo motor a combustível e pelo elétrico que pode ser suficientemente pequeno para atender somente ao regime de cruzeiro do carro, enquanto as acelerações rápidas são garantidas pela ação conjunta dos dois motores.
De qualquer maneira, os fabricantes esperam poder pôr no mercado, em 1998, carros de ``zero emissão" relativamente baratos e com desempenho (aceleração, autonomia e conforto) capaz de atrair o público.
O interessante é observar que, quando técnicos e cientistas, na sua maioria, falam de poluição, eles se referem à emissão de pequenas quantidades de gases perniciosos, mas convenientemente esquecem a emissão de enormes quantidades de dióxido de carbono que, possivelmente, virá a alterar desfavoravelmente o clima do nosso planeta.
Há, no entanto, uma maneira prática de eliminar completamente a emissão desse importante poluente, e essa maneira já foi e está sendo demonstrada pela experiência brasileira com o álcool-motor.
Quando um carro queima álcool, ele contribui exatamente zero para o aumento do CO2 atmosférico, pois o CO2 gerado por essa queima é precisamente aquele que foi retirado do ar pela safra de cana-de-açúcar da qual o álcool foi produzido.
Mais uma vez, como no caso de Santos Dumont, estamos bancado os pioneiros. No entanto, seria ótimo que desta vez, pelo menos, pudéssemos exportar nossa experiência (e nosso álcool), ajudando a resolver um problema que preocupa o mundo.

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