São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995 |
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Crise pode tirar 200 mil famílias do campo
MÁRCIA DE CHIARA
A previsão é do vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro de Camargo Neto. Ele considera esta é a pior crise que o setor enfrenta, superando até mesmo a da era Collor. A seguir, o principais trechos da entrevista. Folha - Qual o balanço que o senhor faz da marcha dos agricultores? Pedro de Camargo Neto - O movimento atingiu o objetivo de promover um alerta. Acho que hoje no Brasil ninguém desconhece que existe uma crise no campo. Folha - De concreto, qual foi o resultado do movimento? Camargo Neto - Acho que o próximo passo é do governo. Ele tem que mostrar o que pretende para a próxima safra. Folha - Qual é o prazo que o governo tem para mostrar a sua intenção? Camargo Neto - Ele já está atrasado porque a agricultura tem prazos climáticos. O governo tem que sair com isso o quanto antes. Folha - A próxima safra de grãos já está prejudicada? Camargo Neto - Está prejudicada por conta da crise de uma maneira geral. Mesmo se saísse hoje uma solução para o setor agrícola, já não daria mais tempo para entregar todo o adubo. A redução da área plantada vai ocorrer, independentemente da proposta do governo para o setor rural. Folha - O senhor prevê uma alta das commodities agrícolas neste segundo semestre? Camargo Neto - As commodities já estão subindo no mercado internacional. Essa alta é resultado de mudanças na política agrícola da Europa e dos Estados Unidos e do clima norte-americano que está afetando a safra. Nem sempre o Brasil vai poder se beneficiar dessa alta. Folha - O governo diz que tem 19 milhões de toneladas de grãos de estoque de passagem e que nunca esse volume foi tão grande. O que o senhor acha? Camargo Neto - Um estoque de 19 milhões de toneladas para um país do tamanho do Brasil, com 150 milhões de brasileiros que tiveram um aumentou de poder de compra significativo desde a entrada do real, não é muito. Mas a colheita terminou só há alguns meses. Este é o momento de ter estoques. Folha - Esse estoque não garante essa tranquilidade para o abastecimento que o governo está imaginando? Camargo Neto - Não. Falar em situação tranquila é um equívoco. Folha - Mesmo com esse estoque, vai ter alta de preço no segundo semestre? Camargo Neto - Sim. Folha - Além da subida dos grãos no mercado internacional, o que estaria motivando a alta? Camargo Neto - Os juros brasileiros. Esse foi o grande motivo que manteve os preços baixos. Folha - O que jogou o preço agrícola para o fundo poço no primeiro semestre foi a safra recorde e o juro alto? Camargo Neto - Exatamente. E agora o juro alto é que vai jogar o preço para cima. Folha - Então são três fatores que vão empurrar o preço para cima: entressafra, juro alto e clima desfavorável nos Estados Unidos? Camargo Neto - Sim. Folha - Essa onda de calor nos Estados Unidos pode trazer prejuízo para a safra americana? Camargo Neto - Sim, há prejuízos, mas ainda não se sabe o tamanho. O Brasil não pode ficar amarrado ao mercado internacional. Essas grandes flutuações de preços não ocorrem nos EUA. Folha - O agricultor vai se beneficiar dessa subida de preços? Camargo Neto - Muito pouco. A maioria dos produtos já saiu das mãos do agricultor. Ele já vendeu quase tudo. Folha - Então, quem ganha com essa recuperação de preços? Camargo Neto - O intermediário e o governo que tem estoque grande. Folha - O que o senhor acha da postura do governo que diz que os grandes produtores são os caloteiros e são sempre os mesmos? Camargo Neto - O governo está errando ao ficar com a obsessão do caloteiro. Caloteiros existem e têm de ser excluídos. O governo tem de ter uma política para todos e excluir o caloteiro. Folha - Está ocorrendo êxodo rural? Camargo Neto - Certamente. As 200 mil famílias que o governo Fernando Henrique Cardoso se propôs a assentar até 98 vão deixar o campo por causa da atual crise da agricultura. Folha - O senhor acha que o governo foi injusto ao dar crédito de US$ 200 milhões para os usineiros? Camargo Neto - Eu acho mais injusto ainda quando ele deu 70% de alíquota de importação para a indústria automobilística. É lógico que ele tem de fazer esse tipo de coisa, só que ele tem de fazer para todo mundo. Ou ele faz para todos ou abaixa o juro. O que eu acho errado é ele tentar remendar. Essa medida do álcool foi um remendo em cima da política monetária do juro alto. Folha - Então a agricultura não quer um remendo? Camargo Neto - Ela quer sobreviver. O Brasil não se pode resolver com remendos. Texto Anterior: Comissão da Bahia quer mais nomes na lista de desaparecidos políticos Próximo Texto: Crise derruba preço da terra no interior Índice |
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