São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jackson está certo: `O sistema é um saco'

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sabia que Tarantino, diretor e roteirista de "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction", se cansou de filmar seu bangue-bangue do asfalto e procurou Paulo Coelho para comprar os direitos de um dos seus livros?
Nosso mago já havia vendido a uma megaprodutora de Hollywood e disse não, mas teve o privilégio de almoçar com o novo queridinho da crítica e do público "cool". Polansky também queria filmar Paulo Coelho, também ouviu um não e nem perdeu tempo com almoço. Maktub!
O cinema americano está chato que dói, preso às amarras do politiquês-correto; dá nos bagos. Sempre a mulher independente, corajosa, capaz, que corre, pula, dá tiro e tem um corpo de matar.
E sempre o negro é o chefe, porque não cai bem colocar um negro na posição de empregado, apesar de 90% dos negros daqui viverem em pobreza absoluta. Filmes que lembram comercial de banco; um negro, um branco, um asiático, um latino, mulheres e, às vezes, deficientes, sorridentes, como se "preconceito" fosse uma palavra em desuso.
E os temas? "Sexual harressment", penca de filmes. "Child abuse", outra penca. "Serial killers", mais uma. Esta semana, estréia "The Net"; estava demorando. No trailer, uma fulana correndo, dando tiros em telas de computador. Não precisa perder seu tempo porque ela vai matar o do mal e se casar com o do bem.
Os filmes que fogem do óbvio, como "Os Eleitos", baseado nos efeitos da Guerra Fria sobre a corrida espacial americana, dão preju. Já os filmes que seguem à risca a fórmula do pão, pão, queijo, queijo, estouram.
Em maio de 70, a Apolo 13 quase estourou no meio da missão (seria a terceira a pousar na Lua) e foi obrigada a voltar. Os três astronautas passam maus bocados. Somos obrigados também a passar maus bocados no filme "Apolo 13", uma chatice que estoura nas bilheterias, fatura milhões e já é tido como o filme da década. Década em que os americanos voltaram a se orgulhar de serem os tais; que saudades do Ho Chi Min...
Não há nada mais maçante que americano feliz. Culpados, derrotados, com a sociedade em crise, produzem grandes obras, de Jimmy Hendrix a Bob Dylan, de Frank Zappa a Lou Reed, de Elia Kazan a Frank Capra, de Eugene O'Neil a Fitzgerald.
Agora, dá-lhe Tom Hanks. Michael Jackson tem razão, quando grita, em "Scream": "The system sucks!". Ou o sistema é um saco.

MARCELO RUBENS PAIVA está nos EUA a convite da Universidade de Stanford.

Texto Anterior: ``Bonito, eu? Tu tá de sacanagem!"
Próximo Texto: Lívia Laurenzano, 13
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.