São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A questão tributária e a necessidade da reforma

ALVARO AUGUSTO VIDIGAL

Neste segundo semestre, o processo de tramitação das emendas de revisão constitucional se afigura bem mais difícil do que tem sido até aqui, dadas as pressões e resistências que cercam temas cruciais e politicamente sensíveis, como a reestruturação do sistema de previdência e a reforma tributária.
A questão da reforma tributária tem frequentado as manchetes dos jornais nas últimas semanas, em sintonia com o clima de expectativa que se vem criando em relação às emendas constitucionais que o governo deverá enviar ao Congresso em agosto, tratando da reformulação do sistema tributário.
Lamentavelmente, o debate sobre a reforma tributária tem-se limitado apenas à controvérsia entre os governos estaduais sobre a disputa por investimentos entre os Estados da Federação, através de incentivos fiscais no âmbito do ICMS.
Ainda que merecedora de medidas corretivas, a chamada ``guerra fiscal" é somente um aspecto do problema das distorções presentes na estrutura tributária nacional. E esta discussão tem ofuscado o ponto central da questão tributária: o fato de termos um sistema de impostos com respeitável grau de ineficiência, inibidor do ânimo empreendedor das empresas e incapaz de prover os recursos necessários ao financiamento de serviços públicos na quantidade e na qualidade requeridas pela população.
Num momento em que o país está voltado para a retomada do crescimento econômico, com base num modelo de fortalecimento do setor privado, como viabilizar investimentos produtivos com a atual estrutura tributária? Como falar em competitividade externa se os produtos de exportação são gravados por contribuições parafiscais, que incidem em cascata nas diversas fases de produção? E o que dizer da parafernália de impostos e contribuições que atormentam o dia-a-dia das empresas, onerando custos, estimulando a evasão fiscal e favorecendo a inflação?
A caótica estrutura fiscal brasileira padece ainda de escasso grau de equidade na distribuição da carga tributária. Um fator para isto encontra-se na existência de esquemas de isenções, preferências, subsídios e incentivos fiscais, conferidos geralmente à promoção de investimentos setoriais e regionais, mas sem o amparo de uma política industrial e de desenvolvimento regional, onde tais benefícios pudessem estar justificados e transparentes para a sociedade.
Outro fator situa-se no elevado peso dos impostos indiretos (IPI, ICMS, ISS, IOF e contribuições parafiscais) no total arrecadado. Impostos indiretos são regressivos, onerando mais pesadamente os estratos de renda mais baixa da população.
Os mercados financeiros e de capitais também se defrontam com esta distorção da estrutura tributária. Como justificar, por exemplo, que os dividendos sejam tributados em 15% pelo Imposto de Renda e os juros em 10%, se ambos representam rendimentos do capital? Que argumento pode explicar por que os juros podem ser deduzidos como despesa no lucro tributável da pessoa jurídica, prerrogativa não concedida aos dividendos distribuídos aos acionistas?
Se pretendemos modernizar a economia brasileira, precisamos certamente de um mercado de capitais pujante, que atenda às necessidades de capitalização das empresas. Para isso será necessário que a reforma tributária corrija essas distorções.
Em resumo, o Brasil precisa de uma estrutura tributária compatível com o objetivo de se conduzir o setor privado à liderança do processo de desenvolvimento econômico. Precisa também recuperar a credibilidade e a respeitabilidade dos impostos. Para tanto, a reforma tributária deve buscar redesenhar a estrutura de impostos, reduzindo o número de tributos e extinguindo contribuições parafiscais, conferindo eficiência e simplicidade ao sistema tributário.
Deve procurar restabelecer a importância relativa do Imposto de Renda diante dos impostos indiretos, ampliando a base de arrecadação do imposto e eliminando isenções e incentivos fiscais. E, sobretudo, deve ter por objetivo a desoneração de custos, investimentos e exportações, medida destinada a arejar o ambiente produtivo e emprestar competitividade às empresas brasileiras.
É equivocado o argumento de que a simplificação do sistema, traduzida na diminuição do número de impostos e na redução esperada na alíquota média dos tributos, poderia corroer a receita tributária. A ampliação da base de arrecadação, o corte de incentivos e subsídios e o impacto positivo da reforma sobre a produção, investimentos e nível de emprego, se encarregarão de mais do que compensar a perda de receita com a extinção de alguns tributos.
Além disso, um sistema tributário simplificado e eficiente desestimula a evasão fiscal e facilita a atuação fiscalizadora dos órgãos governamentais.
Aguardamos, assim, o encaminhamento da proposta de reforma tributária do governo ao Congresso Nacional, esperando que as mudanças nesta área configurem um passo decisivo na direção da almejada redução do ``custo Brasil". E, para isso, a reforma deverá apresentar algo mais do que se restringir apenas à questão da guerra fiscal e à fusão do ICMS e do IPI.

Texto Anterior: SÉCULO INCRÍVEL; AI DE TI, COPACABANA; CONCENTRAÇÃO NA BANHEIRA
Próximo Texto: Educação religiosa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.