São Paulo, terça-feira, 1 de agosto de 1995
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Transplante e raiva humana

<UN->ARARY DA CRUZ TIRIBA; LUCIANO DE ALMEIDA BURDMAN

ARARY DA CRUZ TIRIBA
LUCIANO DE ALMEIDA BURDMAN
França e EUA têm divulgado pela imprensa médica casos de raiva humana induzida pelo transplante de córnea. O que demonstra a resultante? Primeiro, que as córneas estavam infectadas pelo vírus da raiva, como se confirmou.
Num dos relatos, dois foram os receptores da estrutura ocular originária do mesmo cadáver. Assim que um deles morreu de raiva, o outro foi protegido por sorovacinação.
Segundo: até então, a epidemiologia não estava ciente desse exótico modelo de transmissão inter-humana da raiva, sugestiva da inoculação -inadvertida- do vírus da raiva ``in anima nobile".
No Brasil, a situação não é isenta. O Estado de São Paulo acusa nos anos 90 duas mortes por raiva humana.
Sabe-se, reservadamente, de denúncia formulada por conceituado veterinário, experiente no controle da raiva, que num município paulista certo médico foi coagido por autoridade policial a não registrar raiva num atestado de óbito de uma pessoa, a não solicitar autópsia nem requisitar exames confirmatórios, para não comprometer a imagem da urbe. Em outro Estado o cidadão foi levado para a cadeia por apresentar desordem comportamental; lá, foi morto pelos presidiários.
Casualmente, um outro veterinário, ouvindo a descrição do quadro da anormalidade psíquica da vítima, levantou a lebre: parece se tratar da raiva humana. E da autópsia resultou a confirmação. Não fora isso, não passaria de um bandido morto a mais e, quem sabe, seus órgãos se prestariam para transplantes múltiplos!
A raiva no homem assume vários padrões clínicos insuspeitados. Tanto mimetiza a paralisia, a demência ou o misticismo. Ocorre mesmo em sua forma tranquila. E vivemos no país continental onde a raiva é endêmica, a fauna, numerosíssima e os transmissores, mais eficientes que em outras áreas.
Assim como o cão, desnorteado pela infecção específica, está mais sujeito à morte por atropelamento, tal pode suceder ao viandante ou ao motorista morto em acidente.
Tememos que, doravante, diante de fatos cumulativos, dificilmente se apelará para casualismo ou risco inerente. Certamente, há necessidade de medidas acessórias e preventivas. Tendo assistido ao debate promovido pela Folha, ficamos convencidos que a discussão deve ser estendida.
Em caso de transplantes, requer-se a opinião do legista, do neuropatologista, do infectologista e também do veterinário, em se projetando o transplante de animais para o homem.

ARARY DA CRUZ TIRIBA, 69, é professor titular da Escola Paulista de Medicina. LUCIANO DE ALMEIDA BURDMAN, 38, médico, elabora tese sobre raiva humana.

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