São Paulo, terça-feira, 1 de agosto de 1995
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300 anos após Zumbi

JUCA KFOURI

Roberto Carlos e Viola, as maiores estrelas dos times que decidem o Paulista no ano em que se comemora os 300 anos da morte de Zumbi, decepcionaram.
Em clima de despedida, não foi o futebol que mostraram no domingo que levou italianos e espanhóis a investirem US$ 12 milhões em seus passes. Passes?
Mas a melhor característica de ambos não é passar, dirá o incauto. Não mesmo. Passes, aqui, não têm a ver com passar a bola, mas com escravidão.
E não porque são negros, mas porque são jogadores de futebol, ou melhor, porque são jogadores no Brasil. Porque vivem sob o jugo da Lei do Passe, resquício escravagista que nem indignação causa mais -ao contrário, tem muita gente que a defende (a maioria entre os cartolas, senhores de jogadores, e alguns escribas por puro reacionarismo).
Viola, em 1988, fez o gol do Corinthians, campeão do Centenário da Abolição da Escravatura.
Pois 107 anos depois da Lei Áurea, Viola continua a não ser livre para escolher onde quer trabalhar.
Como Roberto Carlos também continua. Aliás, continuavam.
Agora, depois de cumprirem os contratos de três anos que assinaram com o Valencia e a Internazionale de Milão, poderão decidir para quem trabalharão, pois na Espanha e na Itália não existe escravidão.
Custa a crer que o ministro do Trabalho, o da Justiça, o dos Esportes, que o presidente da República do país do futebol, que todos nós possamos conviver, e há tantos anos, com o escravagismo em pleno capitalismo do final do século 20.
É simplesmente monstruoso que o profissional do futebol seja tratado como mercadoria. Mercadoria ainda mais misteriosa, posto que seu fetiche é indecifrável, já que, a rigor, seu proprietário não visa o lucro e, portanto, aparentemente não se apropria de sua mais-valia, com o perdão da má palavra.
Pois é para extinguir semelhante aberração que, em outubro, na PUC, o Congresso Nacional de Educação Física será aberto por um ato que tentará chamar a atenção da opinião pública apaixonada pelo futebol para essa realidade.
Seus ídolos são escravos, dirão os presidentes dos sindicatos dos atletas para uma platéia que deverá ter desde o ministro Pelé -que não esconde sonhar com a extinção da Lei do Passe em sua gestão- a artistas identificados com o futebol e as lutas populares, como Chico Buarque de Holanda.
Voltaremos ao tema.

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