São Paulo, quinta-feira, 3 de agosto de 1995
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A MP da importação de veículos e o setor de autopeças

PAULO ROBERTO RODRIGUES BUTORI

O setor brasileiro de autopeças reconhece a legítima necessidade do governo de tentar conter o desequilíbrio desfavorável da balança comercial e, com isso, atrair investimentos produtivos. É também válida a busca de bom relacionamento com a Argentina, importante parceiro no Mercosul.
Mas chamamos a atenção do Executivo e do Legislativo para o seguinte fato: os valores que têm sido veiculados como prováveis na regulamentação dos parâmetros da medida provisória 1.024 (reeditada como MP 1.047 e MP 1.073), por meio da qual se pretende dissolver as assimetrias entre as regras do mercado automotivo doméstico e o regime automotriz argentino, não só mantêm o déficit como assumem papel marginal na atração de novos investimentos.
Há que destacar alguns pontos: a propalada relação 1/1 entre exportação e importação (para importar o equivalente a um dólar, a mesma quantidade terá de ser exportada) é sempre deficitária, num setor historicamente superavitário. Isso porque admite quatro grandes exceções, que consideram um percentual dos investimentos feitos no Brasil como se exportação fossem.
Além disso, duas delas são cumulativas. Uma determina que todo capital externo para investimento registrado no Banco Central pode ser, em parte, transformado em crédito para importação.
Outra garante status de crédito para os recursos destinados à aquisição de máquinas. Ou seja: para o mesmo capital anteriormente registrado no BC, tem-se cumulativamente dois benefícios.
Outro aspecto que merece atenção é o índice de nacionalização sugerido indiretamente na MP (artigo 7º), de 60% sobre o preço líquido do veículo, com a possibilidade de importar os restantes 40% de autopeças e matérias-primas com alíquota de 2%. Esse índice não oferece proteção à indústria e é uma falácia matemática, por considerar conteúdo nacional o lucro, as despesas e os custos internos das montadoras. Com isso, os 40% liberados às importações se transformam em 61% das autopeças e matérias-primas contidas.
Hoje, mesmo sem a determinação em lei de um índice mínimo de nacionalização, cerca de 85% dos insumos utilizados na montagem de um carro são locais. Segundo dados levantados pela consultoria Booz-Allen & Hamilton, 50% das peças brasileiras têm preço FOB mais baixo que suas concorrentes européias.
O que estamos sugerindo é a criteriosa observação dos números que serão utilizados na regulamentação da MP 1.073. Simulações da Booz-Allen apontam que, para o atual índice de nacionalização (85%), a demanda de mão-de-obra é de 240 mil trabalhadores.
Com os 60% propostos, os empregos oferecidos caem para 140 mil. As montadoras continuarão montando carros quase nacionais, novas montadoras poderão se instalar no país, mas os empregos nas autopeças (atualmente 2,5 vezes mais que nas montadoras) serão gerados em outros países.
Além da fixação do índice de nacionalização inferior ao existente de fato, a MP reduz a alíquota de importação de autopeças de 16% para 2%, tornando o produto importado cerca de 14% mais competitivo. Sem contar que a concorrência lida com carga tributária inferior, economia de escala superior e câmbio mais atualizado.
No que tange especificamente à relação com a Argentina, é louvável o interesse em manter a similaridade das regras válidas nos dois países. Mas cabe observar que o Acordo Automotivo Argentino foi desenvolvido em 1990 para uma indústria à míngua, com produção inferior a 100 mil veículos por ano (número que representa um mês ruim nos parâmetros brasileiros).
Não queremos um mercado artificialmente protegido. No entanto, precisamos considerar o fato de que a saída é concentrar a produção em veículos e peças que permitam economia de escala e fazer alianças para modernização tecnológica. Em suma, nossas propostas para a regulamentação da MP são:
1) Que as quatro grandes exceções, que contam como se exportação fossem, não ultrapassem 40% do valor da cota líquida de importação;
2) relação entre exportação e importação da ordem de 2 por 1, que gera superávit comercial, permite importações e garante que todos cresçam com as exportações, equacionando o relacionamento com a Argentina;
3) que não sejam considerados como crédito para importação gastos rotineiros, como reposição de equipamentos e moldes;
4) extensão dos benefícios da MP às empresas de autopeças;
5) definição de índice de nacionalização que seja verificável e que reflita a atual posição do setor de autopeças.

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