São Paulo, quinta-feira, 3 de agosto de 1995
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Volume reúne poesia e prosa de Baudelaire

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Livro: Obras Completas
Autor: Charles Baudelaire
Páginas: 1.136
Preço: R$ 80

O leitor hipócrita não merecia tanto. O acaso está presenteando os brasileiros com o lançamento quase simultâneo da ``Poesia e Prosa" de Charles Baudelaire (1821-1867) pela Nova Aguilar e de sua biografia escrita por Henri Troyat pela Scritta.
A edição da Nova Aguilar, organizada pelo ensaísta e tradutor Ivo Barroso, já está nas livrarias e é, como sempre, um luxo: capa dura, papel cuchê, 1.136 páginas com a poesia (completa) e a prosa (incompleta) de Baudelaire e ensaios sobre ambas.
Tudo isso, note, por R$ 80, o que dá R$ 0,07 por página -contra a média de R$ 0,09 que aqui hoje estão cobrando por edições bem mais chinfrins.
Se a civilização moderna fosse uma estante, esse livro teria de estar na prateleira mais alta.
Baudelaire é um espanto perpétuo. Tudo começou com ele. Viveu apenas 46 anos e foi uma vida bem tumultuada (leia texto abaixo), mas deixou a obra-mãe de toda a poesia posterior: ``As Flores do Mal", publicada em edições complementares de 1857 a 1868.
Ele consegue manter um ritmo constante, sem ser uniforme e tedioso como nos antigos, passando por intervalos assombrosos; grita e esperneia, depois sussurra e ruge, mas a homogeneidade resiste.
Tal inquietude identificou seu inimigo: ``É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,/ Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado./ Tu conheces, leitor, o monstro delicado/ - Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!"
Era então fundada a Era da Ansiedade, como batizada pelo escritor húngaro Arthur Koestler.
A edição traz toda a poesia de Baudelaire e é bilíngue: além de ``As Flores do Mal", na excelente tradução de Ivan Junqueira publicada há dez anos pela Nova Fronteira, ``Juvenília e Poemas Diversos", também por Junqueira, e os ``Pequenos Poemas em Prosa", por Aurélio Buarque de Holanda.
Além disso, contra a noção vulgar de que bons críticos não são bons escritores e vice-versa, Baudelaire foi um grande crítico. De literatura, de arte e de música. Em cada um desses ramos deixou uma folhagem de idéias exuberante.
O livro traz oito críticas literárias, dez de arte e duas musicais, além de ensaios como ``Paraísos Artificiais" -traduzido por ninguém menos que o escritor português José Saramago- e escritos como ``Meu Coração a Nu".
``Paraísos Artificiais" trata de vinho e haxixe e do poder de ambos de ``multiplicar a individualidade". Antecede em cem anos Aldous Huxley, autor de ``As Portas da Percepção", uma defesa das experiências alucinatórias.
Baudelaire inaugurou tudo. Também foi, por exemplo, grande tradutor, o homem que revelou o gênio do americano Edgar Allan Poe (1809-1849) ao mundo -coisa que nem mesmo os EUA fariam. Mas essa faceta infelizmente ficou de fora do volume.
Na crítica deixou várias marcas perenes. Defendeu para a posteridade Eugène Delacroix (o primeiro moderno: o Baudelaire da pintura), Richard Wagner (de cujo ``Tannhãuser" fez a interpretação definitiva), Poe e ``Madame Bovary", de Gustave Flaubert. Acertou em tudo que fez.

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