São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Negócio da China é salário mais baixo

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

A operária chinesa Wang Xinping, 48, começa às 7h30 sua jornada de trabalho que, em cerca de um terço do mês, avança até as 22h. Trabalha de segunda a sábado e fatura 500 yuans (US$ 60,9) por mês, em média.
O salário é calculado de acordo com a produtividade e não com as horas trabalhadas. Num mês gordo, Wang fatura até mil yuans (US$ 122), mas suas férias anuais somam apenas 15 dias.
``As peças produzidas depois da jornada de oito horas recebem remuneração maior, calculada diferentemente para cada produto", explica o empresário Huang Zhi Ming, um dos proprietários da Shangai Tian Li Toy.
Os outros sócios são a Haulik Ltd, de Hong Kong, e a Shanghai Toys Import and Export -uma estatal que se encarrega também de comercializar a produção.
A mão-de-obra barata possibilita à fábrica Shanghai Tian Li Toy produzir bonecos de pelúcia por 4,6 yuans (US$ 0,56) a unidade.
O brinquedo pode chegar ao consumidor com um preço equivalente a 66 yuans (US$ 8) em lojas de Hong Kong, a colônia britânica encravada no sul da China.
Intermediários
Com baixos custos de produção, a China exporta para o mercado mundial produtos com preços altamente competitivos, de brinquedos a roupas, de material esportivo a equipamento para escritório.
"Quem fica com grande parte dos lucros são os intermediários", diz Huang. O empresário calcula que a dúzia do boneco de pelúcia que sai da fábrica por 100 yuans custará cerca de 160 yuans (US$ 19,50) a um importador brasileiro.
Localizada 23 km ao sul do centro de Xangai, a maior cidade da China, a Tian Li destina toda sua produção ao mercado externo. Exporta para mais de 50 países uma linha que já desenhou 1,7 mil modelos de bonecos.
A opção pela exportação brinda a fábrica com uma vantagem: isenção de impostos na importação de matéria-prima. A pelúcia é da Coréia do Sul ou do Japão.
O incentivo fornecido pelo governo chinês aumenta a competitividade, já que os gastos com a matéria-prima respondem por 65% do preço oferecido pela fábrica. Em segundo lugar vem a mão-de-obra, com 12%, diz Huang Zhi Ming.
O preço no atacado (em grande quantidade) de um boneco, que sai da fábrica por 100 yuans a dúzia, se divide em 5% de lucros, 5% de impostos e o restante entre gastos de administração, transporte e perdas na produção, segundo Huang.
A fábrica de Xangai produz 15 mil dúzias de bonecos, por mês, e fatura 1 milhão de yuans (US$ 122 mil).
Seu catálogo exibe produtos que podem sair por 56 yuans (US$ 6,8) a dúzia ou por 260 yuans (US$ 31,7) a dúzia.
A remuneração mínima na China é uma das mais baixas da Ásia. No Vietnã, por exemplo, as joint ventures (empresas mistas) pagam um mínimo de US$ 35, e na Indonésia, de US$ 65.
Na China do Partido Comunista, as leis do capitalismo selvagem encontraram espaço para proliferar, admite o próprio governo.
O Ministério do Trabalho prometeu para julho uma campanha a fim de divulgar "a legislação trabalhista e ensinar o trabalhador a se proteger".
Nos casos de violações dos direitos trabalhistas comunicados ao governo, a maioria se refere a pagamentos inferiores ao salário mínimo, horas extras sem remuneração e más condições de trabalho.
Na província de Guangdong -ao sul do país e um dos principais pólos industriais-, mais de 40% das disputas trabalhistas se verificaram em empresas estrangeiras ou joint ventures.
Trabalho em pé
Entusiasmada pela expansão industrial (a economia cresceu 11,8% em 94), a China patina na hora de abandonar a retórica e cobrar melhores condições de trabalho em suas fábricas. Não existem sindicatos independentes no país.
Ainda segundo dados do governo, 120 milhões de trabalhadores vagam pelo país em busca de trabalhos temporários. Empresas dispostas a minimizar seus custos se aproveitam desta mão-de-obra.
Na Tian Li, os operários têm em média 21 anos de idade. Fazem uma refeição por dia na fábrica e aqueles originários do interior podem morar em alojamento também cedido pela empresa.
O trabalho na Tian Li é quase todo manual. Wang Xinping trabalha no corte de tecidos. Tesoura na mão, faz seu trabalho em pé. As operárias que recheiam e costuram os bonecos contam com cadeiras.
Mas no ano passado, uma inspeção do governo em 472 fábricas e minas, na província de Hebei, norte do país, constatou que 58,5% dos empregados enfrentam condições perigosas para a saúde.
Na Tian Li, a operária Wang, influenciada por tradições orientais de conformismo, não reclama das duras condições de trabalho. "Para mim está bem", resigna-se.
Casada e com duas filhas, Wang consome metade dos 500 yuans de seu salário com alimentação. Carne aparece na mesa apenas duas vezes por semana.
O arroz ela planta nas cercanias da sua casa própria. Assim, não há despesas com aluguel e assistência médica, que é oferecida pela Tian Li. Às vezes, ajuda a filha que gasta 100 yuans mensais no jardim de infância do filho de dois anos.
Cerca de 100 yuans Wang reserva para comprar roupas e guarda o que sobrar. "Preciso fazer uma reserva para a velhice", explica.
Quando tiver direito a se aposentar, com 50 anos, Wang receberá da fábrica um pagamento que corresponde a 60% do seu salário.

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