São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Os anúncios gratuitos de Toscani

ALEXANDRE GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estou surpreso. Quando assisti ao ``Roda Viva" com Oliviero Toscani, não imaginava o que se seguiria na imprensa. Minha primeira conclusão: levaram o debate a sério. Minha segunda conclusão: publicidade rende publicidade.
O que me motivou a escrever aqui foi ver uma página inteira do Mais! do último domingo discutindo seriamente o debate. A verdade é que tudo isso é fumaça. O fogo arde silenciosamente mais embaixo e o que o alimenta é o seguinte: se alguém pegar a tabela de publicidade da Folha, que mede o preço dos anúncios em centímetros, e calcular quanto custa um anúncio de página inteira, vai perceber o quanto Toscani e a Benetton ganharam ao conseguir uma página inteira de matéria.
Multiplicando esse valor pelo número de vezes que os jornais têm dado cobertura à publicidade da Benetton ao redor do mundo, fica claro que a verdadeira propaganda de Toscani e Benetton não está nos anúncios pagos, mas nos gratuitos, na imprensa.
Um único anúncio gera artigos e mais artigos, polêmicas e mais polêmicas. Como os ecos numa caverna que são sempre mais numerosos que o grito que os originou.
Essa é a verdadeira questão no "caso Benetton". O público-alvo prioritário da campanha (ironicamente "público-alvo" é o termo técnico usado para designar audiência) não é o consumidor. São os jornalistas. É a eles que se destinam os anúncios em primeira instância. Depois, eles mesmos se encarregarão de, consciente ou inconscientemente, amplificar o efeito dos anúncios, escrevendo, debatendo, julgando, mas sempre falando de Toscani e Benetton.
O recurso de chocar para chamar atenção é velho na propaganda. O curioso é ver o "sensacionalismo", recurso tão desprezado pelo jornalismo sério, não ser rechaçado pelos jornalistas em sua forma publicitária. Sim, porque é dessa matéria que é feita a publicidade da Benetton: de sensacionalismo (se funciona, não tenho nada contra).
Oliviero Toscani é um "paparazzi". Só que suas "celebridades" são temas sociais. Os mesmos temas que os jornais tratam cotidianamente em suas páginas. Toscani e a Benetton sabem, antes de mais nada, atrair a atenção da imprensa. Usá-la a seu favor. E têm com isso economizado uma enorme verba de publicidade. Toscani deve ser considerado um publicitário, sim. Talvez o mais cínico de todos. Mas um publicitário.
Além disso, na matéria que o editor Marcos Augusto Gonçalves assina no Mais!, há pontos a comentar. Ele escreve: "Dificilmente alguém verdadeiramente do ramo (publicitário) aconselharia o cliente a expor em via pública fotos de dezenas de genitálias masculinas e femininas, jamais endossaria provocações à igreja -um padre beijando uma freira na boca."
Compreensivelmente, o jornalista desconhece o ramo. Como publicitário, conheço vários anúncios pelo mundo com o mesmo grau de sensacionalismo. Alguns bons, outros apenas sensacionalistas. Mas com certeza mais pertinentes. Um deles mostra várias genitálias e o título: "A única coisa chocante nestas imagens é que ninguém está usando camisinha".
Há, também, historicamente, vários anúncios que provocam a igreja. Aliás, a própria igreja não tem motivos para temer a propaganda, uma vez que nos EUA, para conseguir mais fiéis, ela usa já há algum tempo uma das campanhas mais premiadas do mundo.
E, se o problema é beijo, há um anúncio da marca de jeans Diesel, com dois marinheiros se despedindo no cais com um beijo na boca.
A matéria também fala que, no programa, Toscani "acabou vendo-se sentado num banco de réu". Não se enganem: Toscani com certeza queria agradecer o ``Roda Viva" de joelhos. Sua estratégia não é estar certo ou errado. É gerar ruído na comunicação. Incomodar. Estar em posição de mídia. O velho e bom "falem bem, falem mal, mas falem de mim".
Curiosamente, na matéria da Folha, há também um artigo de Gerald Thomas, diretor de teatro, ilusionista e tradutor de sânscrito.
Thomas, num artigo bem escrito, defende Toscani e culmina chamando-o de "genial", enquanto considera os publicitários um bando de ``reaças". Faz uma comparação entre publicidade e arte, tão velha quanto a Bíblia. ``Reaça" é reviver esse tema de campus universitário dos anos 60.
Não há "confusão entre arte e propaganda", como afirma Thomas. Não para os publicitários.
Talvez haja para alguns ditos artistas. Thomas tenta criar um confronto conceitual entre as duas atividades. Não caiam nessa tese de estudante de sociologia. Publicidade não pretende ser arte. Publicidade usa arte. Aliás, usa tudo. Se precisar, usa até teatro.
A publicidade é um liquidificador de tudo que possa conter uma molécula sequer de comunicação. E, a bem da verdade, se existe alguém "genial" nisso tudo, não é Toscani, como pretende ingenuamente Gerald Thomas. É Luciano Benetton. Mas como um empresário pode ser mais "genial que um fotógrafo quase "artista"?
A razão é que não estamos falando de arte, mas de dinheiro.
Idéias que chocam são apresentadas diariamente por publicitários a homens de marketing. É corriqueiro, usual, quase banal. A maioria delas não é aprovada. A técnica de chocar não é difícil. Difícil mesmo é aprovar as idéias que chocam. É colocar o nome de sua empresa assinando publicamente tais idéias. É correr o risco, colocando milhões de dólares em cima de polêmica, acreditando que o resultado valerá o investimento.
Se não der certo, o que perde Toscani? Nada. Se não der certo, o que perde Benetton? Tudo. Nesse sentido, Benetton tem mais valor que Toscani. Sua posição é muito mais revolucionária e criativa. Aprovar também é um ato criativo.
É preciso entender que a propaganda não é um exercício livre de estilo, no qual as idéias são um fim em si mesmo. Na propaganda, diferentemente da arte, as idéias são um meio para um fim: lucro. Aliás, dizem que, nesse caso, a Benetton não anda mais chocante.
Para terminar, acho fundamental eliminar o cinismo desse assunto. Ganham todos com a polêmica. Ganhou primeiro o programa, que, a pedidos, reprisou a entrevista (ninguém reprisa um programa que não deu audiência). Ganharam o sr. Toscani e a Benetton, que, além do espaço na imprensa, conseguiram com o programa um comercial de TV de uma hora. Ganharam os jornais, por conseguir matéria-prima atraente para o leitor. Ganhou o sr. Gerald Thomas que, de pára-quedista, teve a oportunidade de divulgar suas idéias e exercitar seu estilo em quase meia página de jornal. E ganhei eu, que, com este artigo, também pude colocar minhas opiniões em um caro espaço de mídia.
Chega de cinismo. Somos todos publicitários.

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