São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995
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Pombal, déspota ilustrado

LAURA DE MELLO E SOUZA
POMBAL - PARADOX OF THE ENLIGHTENMENT

Kenneth Maxwell Cambridge University Press, 200 págs. 25 libras
Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, foi primeiro-ministro do rei D. José 1º de 1750 a 1777, governando Portugal com mão de ferro e realizando vários feitos célebres, tanto pelo seu aspecto positivo quanto pelo negativo. Profundamente influenciado pela Ilustração, patrocinou a reforma da Universidade de Coimbra, criou o colégio dos nobres, reconstruiu Lisboa após o terremoto de 1755, subordinou o Tribunal da Inquisição ao Estado; despótico, expulsou os jesuítas de Portugal, quebrou a nobreza antiga, condenando alguns de seus membros mais ilustres por meio de um processo absurdo e supliciando-os em praça pública, num dos espetáculos mais terríveis e sangrentos da Europa de então. Personagem contraditória e ambígua, tem até hoje entusiastas e detratores.
Em ``Pombal - Paradox of the Enlightenment", Kenneth Maxwell explora justamente o aspecto paradoxal de Sebastião José. Apesar de procurar a neutralidade, o autor expressa uma discreta admiração pelo ministro, o que é bastante compreensível quando se têm em conta as transformações profundas que esta era promoveu na história portuguesa. O livro é simples e despretensioso, não querendo ser senão um bom guia, em língua inglesa, para os interessados no período. É muito bem escrito, dentro da melhor tradição anglo-saxônica, que sempre valorizou a descrição e a base empírica; é bem construído, abordando todos os temas importantes do consulado pombalino; é atualizado bibliograficamente e muito bem documentado, divulgando inclusive fontes primárias pouco usadas pelos historiadores de língua portuguesa, como a correspondência diplomática britânica. Há ainda uma iconografia belíssima: plantas de Lisboa, retratos de personalidades, gravuras do terremoto, fotografias de edifícios.
No conjunto, o trabalho é talvez pouco interpretativo e inovador: quem já leu os estudos anteriores de Maxwell, como a ``A Devassa da Devassa" -clássico que marcou definitivamente o enfoque da Inconfidência Mineira e que surgiu em inglês em 1973- ou o artigo ``Pombal and the Nationalization of the Luso-Brazilian Economy", publicado em 1968 na ``Hispanic American Historical Review", reconhecerá neste livro sobre Pombal idéias ali desenvolvidas com mais detalhe e profundidade. Por exemplo, a ênfase no esforço pombalino em nacionalizar a economia luso-brasileira, cerceando a ação dos pequenos e médios comerciantes que serviam de testas-de-ferro aos interesses britânicos no império. Este é um dos pontos altos do livro, mas não é original.
Tributário dos estudos anteriores de Maxwell é ainda o destaque dado ao Brasil, que no século 18 se tornara, numa expressão consagrada, ``a vaca de leite" de Portugal. Pombal percebeu que apenas ordenhá-la levaria à perda da América portuguesa, e tratou de promover reformas para manter o império. Além de retomar a idéia já referida da nacionalização do sistema, ``Action in the National Interest" (cap. 3) discorre sobre o reequacionamento das fronteiras e sobre uma nova política ante a população colonial, a quem passa a caber o encargo de defender a colônia; as leis sobre liberdade dos índios e sua equiparação com os brancos situam-se nesse contexto, e vale a pena citar um dos principais interlocutores de Pombal nos primeiros tempos de seu governo, o Duque de Silva Tarouca, nobre português radicado na Áustria: ``Mouro, branco, negro, mulato ou mestiço, todos servirão, todos são homens, e são bons quando bem governados" (pág. 54).
Todo o livro está marcado pela preocupação em mostrar as contradições inerentes ao esforço português de se manter neutro no contexto europeu, já que a dependência econômica consagrada em Methuen determinaria fatalmente a subordinação ao lado inglês. Fernando Novais já analisara tal ``política de neutralidade" no primeiro capítulo de seu extraordinário ``Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial", mas Maxwell traz elementos novos à discussão, mesmo se pouco desenvolvidos. Em todo o livro encontra-se, igualmente, o intuito de chamar a atenção para o modo português de exercer o despotismo ilustrado.
No último capítulo, ``The Legacy", o autor assume um tom mais interpretativo; qualifica o modo pombalino de governar como mescla de reação e criação: o terremoto levou à reconstrução de Lisboa, a invasão espanhola de 1762 levou à reorganização do exército, a reforma educacional seguiu-se à expulsão dos jesuítas; qualifica-o ainda como eminentemente pragmático e sutil, capaz de auscultar necessidades e conjunturas, atingindo -ao contrário de outros governantes do tempo da Ilustração- muitos de seus objetivos. Maxwell mostra, por fim, que a análise do período pombalino deve ser feita em chave comparativa, o que ajuda a melhor compreender seu caráter paradoxal e o eterno conflito entre tradição e inovação: se na Inglaterra a burguesia restringe o papel do Estado, em Portugal o estado cria a burguesia do século 18; se os Whigs celebravam o binômio Ordem-Liberdade, o que conta na administração pombalina é o reforço do binômio Ordem-Progresso. Por fim, se o pequenino reino luso era secundário no contexto europeu, a história deste seu período abala a certeza, firmada entre anglo-saxões, de que Ilustração e constitucionalismo caminham lado a lado, o que aliás também não ocorreu em outras partes do Sul e do Leste da Europa -a periferia ajudando assim a reler as verdades estabelecidas na porção hegemônica do continente.
Periférico ontem e hoje, Portugal acabou sendo miniaturizado pelos historiadores europeus, que o colocaram aquém de suas reais dimensões ou simplesmente o ignoraram. O livro de Maxwell é um esforço evidente no sentido de superar tal descaso. Por tudo isso, e pelo grande prazer oferecido por seu estilo elegante e agradável, é muito bem-vindo e deve ser traduzido com urgência.

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